por Carlos Castelo
Verão de 2035. O calor em Miami estava de derreter asfalto. Eu caminhava, perdido em pensamentos, quando me deparei com um mendigo. Desgrenhado, com uma placa de papelão amassada, onde se lia, com letras tortas: “Aceito qualquer ajuda, menos ações da Tesla.
Aproximei-me, movido por uma curiosidade mórbida. E, ao encarar aquele rosto magro, de olhos fundos, notei: era Elon Musk. Sim, Elon Musk. O homem que um dia quis povoar Marte, mas agora não conseguia povoar nem a própria barriga.
— Elon, é você? — balbuciei.
— Sim — ele respondeu, com um sorriso torto.
Sentei-me ao lado dele.
— O que aconteceu? O senhor era o homem mais rico do mundo…
Ele suspirou, olhando o horizonte, onde um drone entregava um hambúrguer vegano a um banhista de sunga.
— Ah, um dia você está vendendo carros que dirigem sozinhos, foguetes que voltam para casa como cachorros obedientes, e no outro está aqui, disputando migalhas com um pombo. C’est la vie…
— Mas o que levou o senhor a isso?
Foi então que Elon me contou sua saga. Tudo começou em 2028, quando Donald Trump foi reeleito pela terceira vez, após convencer a Suprema Corte de que a Constituição era apenas um papel de bala, esquecido no bolso.
— Eu acreditei nele — disse Musk, com a voz embargada.
— Ele prometeu me nomear governador de Marte e garantiu que a bitcoin ia substituir o dólar. Eu investi tudo. Tudo! Vendi fábricas, ações.
— E não deu certo?
Ele deu um riso seco, de quem já aceitou o destino.
— Claro que não! O bastardo trocou a bitcoin por TrumpCoin. Quando tentei sacar meus bilhões de dólares, descobri que o Banco Central dos EUA tinha sido substituído por um cassino em Las Vegas.
Fiquei ali, ouvindo aquela história, que parecia um roteiro recusado por ser irreal até pela Netflix. Que ironia: o gênio da tecnologia, o imperador de Marte, agora à mercê de gestos de pena.
— E a Tesla? E a SpaceX?
— Vendidas para a Amazon. Da Neuralink ninguém mais fala. Quem quer chip na cabeça quando mal se pode pagar a conta do barbeiro?
— E o senhor? Não tentou recomeçar?
Ele olhou para mim com gravidade:
— Recomeçar? Quando você já teve o mundo na palma da mão e o trocou pelas promessas de um homem cor de laranja, o recomeço fica inviável. Hoje, eu só quero um canto de sombra.
Nos despedimos. Deixei algumas moedas em seu chapéu troncho. Enquanto eu me afastava, ainda pude ouvir Elon dizer:
— Se encontrar o Trump, diga a ele que Marte nunca vai aceitar um resort com o nome dele!
(Publicado na Fórum)