por Sérgio Brandão
Em março de 2020 fiz minha mudança para Matinhos, uma semana depois a OMS declara
que o surto do novo coronavírus se constituia uma emergência de saúde pública de
importância internacional, com o vírus já deixando um rastro de mortes pelo mundo todo.
Cinco anos depois sigo em Matinhos. As lembranças deste lugar, apesar de ter me servido
como refúgio num momento difícil, daqui não guardo boas lembranças, apenas uma ponta
de gratidão pelo acolhimento.
Matinhos me serviu como bunker, para a mente e para a situação de pandemia. O cenário
de ruas desertas, com proporções já comuns aqui nesta época do ano, por conta do término
da temporada de verão, ganharam dimensões gigantescas, cenas faroeste americano, com
feno rolando ao vento. Fui advertido duas vezes por circular pelas ruas desertas, em uma
delas ameaçado de prisão.
Sozinho, instalado num pequeno apartamento, precisava me abastecer de comida. Em
momentos mais ousados, precisei recorrer ao meu forte aliado, o esporte, para tentar
manter a mente sã, sabendo que podia contrair o vírus, mas encarei as corridas pela
beira-mar sem ver sequer uma alma. Era seguro, mas para a saúde mental, não. A
necessidade de ver gente, de conversar com alguém, me colocaram em situações
inusitadas e até desesperadoras.
Fui advertido por uma enfermeira que de dentro de um carro da saúde pública do município,
portando um megafone, me disse: é proibido circular pelas ruas, você vai ser preso, vá
embora, não tem UTI e nem respirador mecânico para todo mundo. Aquela voz ecoa até
hoje os meus pensamentos. Eu sabia da gravidade de tudo, mesmo assim aquilo não me
assustou naquele momento. Nas fantasias que minha cabeça era capaz de criar, imaginei a
cena que ganhou tamanhos monstruosos em meus momentos de profunda solidão, até ali
só quebrada pelo noticiário da tv e do barulho das redes sociais. Sozinho, temi uma porção
de coisas. Resisti em não pedir socorro. Socorro para quem?
Adiante, a Pandemia dá ligeiras tréguas, a vida nas ruas aos poucos vai sendo retomada e
as pessoas já conseguem circular por aí sem a sensação de culpa, mas ainda presas a
protocolos com muitas restrições. As primeiras movimentações me deixaram a impressão
de reaprender a convivência em sociedade. Quando o comércio voltou a atender, na
entrada de uma loja, em cima de um banquinho, uma máscara e álcool em gel. Curioso,
entre o perguntei sobre aquilo. A moça disse que era para os clientes que não tinham a sua
própria máscara. A desinformação, mesmo com alguma abertura e com tudo que o
jornalismo oferecia, ainda parecia insuficiente.
Há dias consegui achar um fio de meada de uma perturbação, acredito com origem na
pandemia. Cheiros, lugares, comida daquela época, trazem a perturbação que se enraizou
no que tenho chamado de vozes da pandemia. Matinhos é cenário de um ciclo meu que
precisa ser encerrado.