14:29NILSON MONTEIRO

Ontem, 29 de março, Curitiba comemorou 332 anos. Minha homenagem:

MOMENTO

Onde o azul outonal me abraça feito os braços do mundo? E os espinhos da primavera me ferem fundo?

Onde, Santo Onofre, padroeiro dos etílicos, a minha inspiração?

Onde se enfiou esta danada a fazer gracinhas?

Bebo o colarinho de todos os copos e tento adivinhar nessa cidade, onde beber é conjugado em todos os tempos e modos, em que canto anda a minha musa inspiradora.

Que sereia é essa esticada a 935 metros das espumas salgadas, onde o bafo da Serra do Mar chega, úmido e quente, às suas bordas geladas? Que formas líquidas e concretas com rugas de mais de três séculos e pose de moderna bailando aos meus olhos de vampiro?

Onde o coração de índia, alma cosmopolita, socando as dobras de uma mochila de carne e osso, velha e maltratada, balão nas tardes de junho e estrela em meio aos trilhos do trem?

Tento lamber um pedaço da alma. Jogo mora ou truco. Ou junto letras, palavras mesmo cariadas. Nos bares, refinados ou rudes, multiplicados, santuários onde tragamos o último texto do fundo dos copos, teimo em desenhar minha inspiração.

Sonho. Manhãs, tardes, noites, madrugadas de aprendizado nos olhos de areia, paixões na garoa.

Encharcado soneto, em que momento vive esse lugar? Por que essa ternura alçando voo com seus pombos encardidos de cinza?

Inspiração feito a poética paz de um ipê amarelo solitário. Ou da luz que vaza dos pinheirais. Ou do discurso de dezenas na Boca Maldita, onde bendito nem o Papa.

Onde, Santo Onofre, padroeiro dos etílicos, a minha inspiração?
Tento destilar os caldos e seus paladares? Ou aprender com a chuva que mancha o espírito? Ou pela chuva que vem dos bueiros daqui e de fora?

Ou saber do lugar, em todo lugar, para sempre mais um. Ou coisas da vida com seus espinhos. Coroas de Cristo. Ou coisas com toda sua simplicidade. Quer exemplo, meu amigo?

Tirar, servir e sorver chopp é uma ciência. Está em páginas. Está em livros. Está nos balcões. Está na experiência. Está nos lábios. Está nas línguas. Está nos copos ou nas canecas, ora, meu santo.

Faróis de poeta nos faróis cardíacos da urbe. Leminski, o Paulo, soletrava: “O Rio é o mar. Curitiba é o bar”. No ponto. Nem mais. Nem menos. Colarinho a gosto do freguês. Ou do amigo. Ou do amor.

Ah, sim, com essa musa inspiradora, as meninas dos nossos olhos se afogam em alegres e tristes porres. Brilhantes. Mansas.

Devoramos as meninas nos nossos olhos, franciscanos ou encapetados. Elas também nos devoram, meio polacas, meio morenas, meio floridas, meio negras, meio índias, brancas de neve, loucas de frio, meio iluminadas, meio ensolaradas, meio fogosas, carros escorridos, meio dia meio noite.

Ideias tentam saltar para o papel, anjos gritando loucuras e torturas, branduras, securas pichadas nos muros. Aqui, minha musa, a cidade é totêmica, a gralha é azul e a vida, muitas cores e almas.

Os corações náufragos não pedem cais e nem ais. Nada de pé na estrada. Nada de trilhos. Nada de portos seguros.
Apenas mais um chopp.

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