7:25Um gringo para lembrar o que o Brasil tem de bom

por Mariliz Pereira Jorge

O inglês Nick, com seu sotaque carioca, traduz a alma brasileira para 400 mil seguidores

Não é raro olhar para o Brasil e pensar que não tem a menor chance de dar certo. Violência, desigualdade, burocracia, corrupção, falta de saneamento básico, falência educacional. Passei da fase da raiva e tenho frequentado a melancolia, talvez pela idade que vai escapando de mim ao longo dos anos. Ao pensar que já vivi mais do que ainda viverei e que o país nunca realizou a profecia de chegar ao futuro, como se aventava no passado.

Precisei que um gringo me ajudasse a lembrar que, apesar de ser tão ruim, é muito bom. Nick é inglês, não sei de que cidade, deve ter uns trinta e poucos anos, não faço ideia de sua profissão, está no Brasil há quatro anos. Ele parece ser solteiro, morador do pacato bairro do Leme, no Rio de Janeiro, fala português, tem paixão pelo Brasil, considera os brasileiros as melhores pessoas do mundo e diz que morará por aqui para sempre.

Com muito humor e enorme capacidade de observação, ele compartilha suas impressões do país no Instagram, onde ele tem 420 mil seguidores. Até para falar mal parece que fala bem. Não é o único. Há um nicho para influenciadores de outros países que vivem no Brasil. Em sua última passagem pelo Brasil, Emmanuel Macron recebeu o comediante conterrâneo Paul Cabannes, que tinha uma questão diplomática: reivindicar a proibição de croissant recheado no Brasil. O presidente comprou a brincadeira, disse que a França permite apenas manteiga, mas seria difícil coibir o contrabando.

O inglês Nick traduz a alma brasileira, mas com um sotaque carioca, pelo fato de morar por aqui. Mesmo as questões que podem irritar quem mora em outros estados ficam mais palatáveis pela forma leve e divertida com que ele descreve a informalidade, os atrasos em compromisso sociais e profissionais, o ketchup na pizza. Às vezes, acho que o gringo deveria sofrer uma intervenção para não achar que somos todos assim. Ketchup na pizza já demais para nossa reputação.

Mas o que me mantém fiel às suas postagens é o amor e o deslumbramento com o qual ele descreve o brasileiro, que me faz olhar com mais carinho o que o cotidiano mascara por sua crueza. Para ele, somos gentis, engraçados, carinhosos, amigáveis e o povo mais asseado do universo. Nossa comida tem mais personalidade, nossa música é mais vibrante, nossa dança mais alegre, nosso sol mais quente.

Ele diz que aprendeu a elogiar as pessoas, costume que não tinha. Emociona-se a cada descoberta, adotou o rodinho na pia, o abraço e o beijo como cumprimento, o banho duas vezes por dia, descobriu o feijão no pote de sorvete, a cerveja quase congelada, o churrasco aos domingos. Se encanta com a nossa língua e seu universo de gírias e expressões – há um vídeo inteiro sobre as dezenas de significados da palavra “opa”. E ama a capacidade que temos de nos comunicar por memes.

Não sei se é pelo momento de revisitar o passado para tentar salvar o futuro, tem sido difícil ver além dos nossos problemas. Acompanhar o olhar estrangeiro de Nick me ajuda a lembrar que apesar de tudo, no que temos de bom somos os melhores.

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