15:15Paulo Leminski está em situação de rua no Rio

por Jotabê Medeiros, no blog Farofafá

O policial militar pediu ao pessoal em situação de rua dormindo na Praça São Salvador, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, para mostrar os documentos. Uma batida de praxe. O primeiro homem abordado remexeu nos bolsos e entregou a sua carteira de identidade. O policial leu o nome no RG: “Paulo Leminski Neto. Não tem um compositor com esse nome?”, murmurou o policial. O homem na praça respondeu: “Sim, é o meu pai”. E passou então a cantarolar canções de Paulo Leminski Filho (1944-1989) gravadas por diversos artistas: Verdura (Caetano Veloso, 1981); Valeu (Moraes Moreira, 1981), Promessas Demais (Ney Matogrosso, 1982). O policial ficou espantado.

No próximo dia 30 de julho, a 250 km do Rio, o pai do cidadão que está vivendo em situação de rua será o próximo homenageado do maior evento literário do País, a Festa Literária de Paraty 2025, a Flip. O anúncio foi feito hoje, quinta, 27 de março, pela organização (Leminski sucede a João do Rio, Pagu, Maria Firmina dos Reis e Euclides da Cunha). O poeta, músico, tradutor, professor, judoca e biógrafo Paulo Leminski foi um dos maiores escritores do País, interface intelectual de expoentes literários como Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Waly Salomão. Já Paulo Leminski Neto, seu filho, foi despejado em dezembro da casa onde vivia na Lapa, Rio, por não ter conseguido pagar o aluguel. Desde então, Paulo Neto tem vivido com a mulher durante quase quatro meses na rua.

Paulo Leminski Neto é cantor e professor de música. Mas ficou sem trabalho no final do ano passado e não conseguiu cumprir compromissos de sobrevivência básicos. “Em dezembro, a cidade fica cheia de turistas, os alugueis sobem, os preços ficam difíceis de acompanhar”. Tinham gatos, tiveram que deixá-los para doação, o que partiu seu coração. Nos anos 1990, ele chegou a ser líder de uma banda de música chamada X-Rated. Também atuou como vocalista em shows do guitarrista Robertinho do Recife. “Eu adoro o Rio, mas a cidade está numa situação muito difícil em termos de trabalho e contexto social”, ele diz, acrescentando que talvez se mude para as montanhas, para o interior.

Nesta quinta-feira, por conta de um incidente trágico que enfrentou há uma semana na rua, Paulo está temporariamente num hotel de pernoite com a mulher, a figurinista Claudia Tonelli, com quem vive há 6 anos (foram despejados juntos). Os dois vendiam os desenhos dela na praça, num pano estendido no chão, e ela foi ao banheiro, deixando-o no cuidado com a venda. Na saída dos banhos, foi atacada por um sujeito (um homem de 29 anos com 22 passagens pela polícia), levou um soco na testa e caiu no chão. O homem seguiu batendo nela e tentou estuprá-la. Uma pessoa que passava viu e chamou a polícia, e o homem foi preso em flagrante. Claudia foi atendida emergencialmente no Hospital Miguel Couto e, muito machucada, está com stress pós-traumático. “Viver e dormir nas ruas é um misto de invisibilidade e visibilidade incômoda”, ela escreveu. Para ficar no hotel que os abriga durante a recuperação de Claudia, na Lapa, o casal tem de levantar 120 reais todo dia para a diária. Nesse momento, já tem pessoas ajudando, mas tem fôlego curto e podem voltar para a rua a qualquer momento. Ambos são pacientes de depressão num Centro de Atenção Psicossocial (CAPs).

Paulo Leminski Neto, na verdade, só existe com carteira de identidade desde agosto de 2021. Antes, seu nome era Luciano Costa, nascido em 31 de janeiro de 1968, apelidado de Lucky (Sortudo). Foi somente em 2001, com o lançamento do livro O Bandido Que Sabia Latim, de Toninho Vaz (relançado pela Tordesilha Livros em 2024), que ele soube que era filho do famoso poeta curitibano. Mais: que o próprio Leminski o tinha registrado como seu filho, existia uma certidão. De posse dessa certidão, ele conseguiu anular uma segunda certidão de nascimento (que, ele alega, foi forjada em 1976 por sua mãe, Nevair Maria de Souza, ex-mulher de Leminski, no papel, entre 1963 e 1985).

A mãe de Leminski vive em Copacabana e se recusa a admitir a possibilidade de que ele seja filho do poeta. Paulo considera a viúva de Leminski, Alice Ruiz, “minha adversária”. Ela foi companheira (e parceira artística) de Leminski a partir de 1968, mãe de suas filhas Áurea e Estrela. Paulo Neto acredita que ambas, mãe e viúva, sonegaram a informação de sua paternidade deliberadamente. “A real é que todo mundo sabia, menos eu”. Paulo entrou com um processo de questionamento de inventário “porque nunca ganhei um centavo de direitos autorais, nada”, e diz que se dispõe a fazer exame de DNA, “mas somente se as irmãs também se submeterem”.

Seu nascimento se deu num tempo de relações abertas e a própria mãe não tinha convicção de quem era o pai. Mas o pai não tinha dúvidas, tanto que o registrou. O questionamento recorrente da presença de Paulo Leminski Neto no mundo leminskiano o coloca num limbo nos sucessivos desdobramentos do legado do pai. Em agosto de 2024, por exemplo, houve uma celebração dos 80 anos de nascimento do poeta na terra natal, Curitiba. Paulo, o filho, até foi convidado, mas para um show com sua banda em um evento paralelo no Teatro Sesc da Esquina de Curitiba. Esse litígio já é bastante conhecido, mas as ironias produzidas pelos descaminhos da vida nunca deixam de surpreender.

 

4 ideias sobre “Paulo Leminski está em situação de rua no Rio

  1. Almir Waldomiro de Macedo

    A Irmã poderia ajudá-lo . Ela tá ganhando uma boa grana com eventos da obra do Leminski

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