por Carlos Castelo
Todo casal que se preza gosta de sair da rotina de vez em quando. Foi com esse espírito que Kátia e Bernardo decidiram experimentar a “Suíte Egito Cósmico” do motel recém-reformado da cidade. O nome já deveria ter sido um alerta, mas o romantismo tem o poder de cegar as pessoas.
Logo na entrada do quarto, o primeiro impacto: uma esfinge de plástico, do tamanho de um Fusca, com olhos que brilhavam em vermelho.
— É cenográfico — disse Bernardo, tentando minimizar.
Kátia, por outro lado, já segurava a bolsa como quem segura um escudo:
— Se isso começar a falar comigo, eu vou embora.
Ao abrir a porta, foram recebidos por um ambiente que só podia ter sido decorado por alguém sob efeito de LSD e doses cavalares de cafeína. Havia hieróglifos pintados com tinta neon, um sarcófago em formato de minibar e uma cama redonda com colunas que tentavam imitar pirâmides — e falhavam miseravelmente, parecendo mais cones de trânsito dourados.
Bernardo procurou manter o otimismo:
— Pelo menos tem banheira.
Banheira, sim. Mas com o formato de uma nave espacial egípcia, com dois chacais de cada lado segurando luzes LED que mudavam de cor sozinhas. Iam do azul a um alaranjado que deixava dúvidas se era efeito especial ou um curto-circuito na fiação da suíte.
Enquanto tentavam ignorar o ambiente, Kátia se jogou na cama e um som começou a tocar. Não, não era Barry White. Era música ambiente eletrônica do Cairo, tipo a trilha de Aladdin remixada por um DJ de rave. Tentaram encontrar o controle do som, mas tudo o que havia era um tablet com tela rachada e um botão que dizia apenas: INICIAR EXPERIÊNCIA IMERSIVA.
E a experiência começou. Luzes piscando, o sarcófago-minibar se abrindo devagar ao som de tambores e um holograma de uma múmia dançando moonwalk. Kátia olhou para Bernardo e disse:
— Você me trouxe para uma festa de Halloween na pirâmide do Michael Jackson?
Decidiram tomar banho e esquecer aquilo tudo. Mas a banheira, além de estranhamente profunda, começou a soltar bolhas verdes ao ligarem a hidromassagem.
— Isso é normal? — perguntou Bernardo, já com o pé dentro.
Kátia, olhando para a água que parecia saída de um laboratório de mutações, respondeu:
— Só se a ideia for sair daqui brilhando no escuro.
A noite seguiu com mais sustos: o espelho que fazia “hummmm” toda vez que alguém passava na frente, a cama que girava sozinha e a porta do banheiro que, ao fechar, projetava a imagem de um camelo em chamas. Um toque, talvez, para lembrar que ali o namoro pegaria fogo.
Quando decidiram ir embora, antes mesmo do sol nascer, Bernardo, cansado, resumiu:
— Próxima vez, Netflix e pipoca?
Kátia, com o cabelo meio arrepiado por causa das descargas elétricas misteriosas da banheira, respondeu:
— Netflix, pipoca e um contrato assinado de que nunca mais você escolhe o motel.
(Publicado no Estadão)