15:06Três em um para o Oscar

Da FSP, por Leonardo Sanchez, na FSP

Oscar com ‘Ainda Estou Aqui’ coroa boa fase e desmoraliza ataques ao cinema brasileiro

As três indicações recebidas são prova de que produção local tem força para superar crises econômicas e políticas

A extensa e cansativa campanha de “Ainda Estou Aqui” na atual temporada de prêmios excedeu expectativas ao não apenas conquistar indicações ao Oscar de melhor filme internacional e atriz, para Fernanda Torres, como também à mais prestigiada de todas as categorias, a de melhor filme.

Das bocas dos atores Bowen Yang e Rachel Sennott, na manhã desta quinta-feira (23), saíram as frases que os brasileiros mais queriam ouvir nesta semana. Depois de confirmarem o que especialistas já davam como certo, porém, veio a maior surpresa da lista deste ano, com o brasileiro entrando na corrida principal.

O longa enfrenta, no dia 2 de março, “O Brutalista”, “Conclave“, “Um Completo Desconhecido”, “Anora“, “Wicked“, “Duna: Parte 2“, “A Substância“, “Nickel Boys” e a maior pedra em seu sapato nesta temporada, “Emilia Pérez“, o favorito na categoria de melhor filme internacional depois de conquistar 13 indicações.

É um feito com gostinho de ineditismo, apesar de não ser exatamente uma novidade. Olhando para os créditos de produção de todos aqueles já indicados ao Oscar de melhor filme, “O Beijo da Mulher-Aranha” e “Me Chame pelo Seu Nome” representaram o Brasil em anos anteriores.

“Ainda Estou Aqui”, por outro lado, é um filme que o povo brasileiro pode chamar de seu. A França pode até ter entrado como coprodutora, mas seu diretor, seus protagonistas, seu idioma e, mais importante, sua história, são intrinsecamente verde e amarelos.

O longa de Walter Salles trata de um dos capítulos mais sombrios dos livros de história, na ressaca da ascensão de um discurso que rejeita os horrores da ditadura militar e, por tabela, tentou grudar a maior parte do cinema nacional e a classe artística, exceto por produções como as do Brasil Paralelo, à pecha de inimigos da nação.

Mas a presença do cinema brasileiro no Oscar prova sua qualidade e capacidade de encantar o mundo, coroando uma onda de participações em festivais europeus em anos recentes —no último ciclo, com os diretores Karim Aïnouz e Marcelo Caetano, além da dupla Gabriela Carneiro e Eryk Rocha, por “Motel Destino”, “Baby” e “A Queda do Céu”, respectivamente.

Agora, a mensagem se amplifica, afinal o Oscar não se limita à bolha cinéfila. Mesmo figuras da direita que criticam os temas retratados no audiovisual brasileiro e o destino de recursos públicos a essa indústria se veem num dilema.

Para além da guerra ideológica que se instaurou no Brasil, as indicações desta semana também servem de injeção de otimismo num setor cambaleante desde a pandemia de Covid-19. As bilheterias de produções nacionais sofrem desde o fim da quarentena, o que que começa a ser revertido graças ao sucesso de “Ainda Estou Aqui” e “O Auto da Compadecida 2” nesta virada de ano.

As expectativas, agora, são de que o drama de Salles continue ampliando sua presença nas salas de cinema do país e conquistando mais espectadores até a cerimônia do Oscar. Espera-se ainda que o longa ajude a formar um público mais disposto a se ver nas telas, em detrimento dos enlatados estrangeiros que dominam as bilheterias. É uma tarefa difícil, mas a semente pode estar sendo plantada neste exato momento.

Para Torres, a indicação a melhor atriz ainda tem gostinho de revanche. Depois de 26 anos de “Central do Brasil” aparecer na lista de melhor filme em língua estrangeira e de sua mãe, Fernanda Montenegro, figurar na categoria de atriz, ela tem a chance de fazer justiça histórica levando o troféu para casa.

Será uma batalha igualmente árdua, mas não impossível. Torres já desbancou medalhões como Nicole Kidman, de “Babygirl”, Angelia Jolie, de “Maria Callas”, e Tilda Swinton, de “O Quarto ao Lado”. Agora sobraram Karla Sofía Gascón, de “Emilia Pérez”, Mikey Madison, de “Anora”, Cynthia Erivo, de “Wicked”, e Demi Moore, de “A Substância”.

Moore é seu maior obstáculo. Para além da qualidade de seu trabalho, que exigiu coragem e comprometimento louváveis, ela se encaixa na jornada do herói de que os americanos tanto gostam. “É a primeira vez que ganhou alguma coisa”, disse ela ao receber o Globo de Ouro, prêmio que coroou uma trajetória profissional desprezada por muitos que a viam como uma atriz de papéis fáceis e bobos.

No geral, o Oscar deste ano comprova uma tendência de se abrir ao estrangeiro. “Ainda Estou Aqui”, com suas três indicações, e “Emilia Pérez”, com suas 13, deixaram isso claro. Mas é preciso cuidado ao falar desta internacionalização. Ela é limitada a poucos títulos que furam a bolha, caso desses dois, mas poderia ser mais ampla.

Havia, por exemplo, a indiana Payal Kapadia e o iraniano Mohammad Rasoulof, de “Tudo o que Imaginamos como Luz” e “A Semente do Fruto Sagrado“, respectivamente. Ela, uma nova promessa, e ele, protagonista de uma fuga cinematográfica para tirar o longa do Irã. Seriam indicações digníssimas em melhor direção, que ao menos contempla dois franceses.

Já o espanhol Pedro Almodóvar teve o ótimo “O Quarto ao Lado“, principal vencedor do Festival de Veneza, esquecido em todas as categorias. Mesmo que seja um filme em inglês, com atrizes anglófonas, seu roteiro adaptado poderia ter sido lembrado, bem como o de Murilo Hauser e Heitor Lorega, premiados no evento italiano por “Ainda Estou Aqui”.

Em documentário, o inventivo senegalês “Dahomey“, de Mati Diop, ficou de fora apesar de ter conquistado o Urso de Ouro em Berlim. Entre as canções originais, que não empolgam muito neste ano, Caetano Veloso poderia ampliar a presença brasileira com “Vaster than Empires”, de “Queer“, que ele não compõe, mas entoa.

Novamente, as indicações, em especial as técnicas, se concentram no punhado de filmes que se sobressaíram nesta temporada, mesmo que outras produções menores tenham apresentado trabalhos mais originais em alas como direção de arte, efeitos especiais, som e por aí vai.

Mesmo o Brasil parece uma pane no sistema ao olharmos para o lado na categoria de filme internacional, preenchida com os europeus França, Alemanha, Dinamarca e Letônia.

É preciso acompanhar com atenção este mês que separa as indicações da premiação. “Emilia Pérez” pode ser engolido por suas polêmicas e dar espaço para “Ainda Estou Aqui”, por exemplo.

No cenário atual, porém, o Oscar vive uma lua de mel com o musical francês, bem como com “O Brutalista” e “Wicked”, que também despontam como favoritos com suas dez indicações

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