15:42Um privilégio de classe: o dinheiro público é para os rentistas

Claudius Ceccon

por Silvio Caccia Bava, no Le Monde Diplomatique Brasil

Controlando o Congresso e o Banco Central, os grandes grupos econômicos e financeiros garantem seus privilégios

Alguém leu nos jornais ou viu na televisão que o governo Bolsonaro deixou um “rombo fiscal” estimado em R$ 400 bilhões para 2023?[1]Vocês viram alguma pressão exigindo um ajuste fiscal e o controle dos gastos públicos na época?

E por que agora, com a economia crescendo, o desemprego baixo, a inflação controlada e o aumento contínuo do consumo e da arrecadação de impostos, toda a imprensa e os economistas do mercado falam da necessidade de conter os gastos sociais diante de uma “iminente crise fiscal”? Por que instituições do sistema financeiro promovem o ataque especulativo à economia brasileira elevando artificialmente o valor do dólar e, com isso, puxando para cima os índices de inflação?

Porque não querem o governo do PT, não querem Lula presidente, não querem “botar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda”, não querem perder seus privilégios, como propõe o presidente Lula. As seguidas tentativas de golpe de Estado e deposição do presidente atestam que essa vontade continua presente. Não vamos analisar a crise política de hoje apenas da óptica das iniciativas dos militares; há muitas razões para crer que a Faria Lima e o agronegócio preferem Bolsonaro a Lula.

Os grandes bancos tomaram uma série de medidas para aumentar seu controle sobre a economia. Capturaram o Banco Central e pretendem impor um novo “teto de gastos” na forma de um “ajuste fiscal”, em um novo “arcabouço fiscal”, criado em 2023. Esse “ajuste fiscal” propõe o corte nos gastos sociais, tais como a redução dos recursos destinados aos trabalhadores, das políticas públicas e dos reajustes do salário mínimo e de todas as políticas sociais indexadas a ele.

Em fevereiro de 2021, o Congresso brasileiro, dominado pelos grandes grupos econômicos e financeiros, aprovou o PLC n. 179, que dá “autonomia” ao Banco Central, isto é, “impede o governo de utilizar os instrumentos monetários para estimular a economia e os empregos, e orientar a política econômica”, segundo Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Sindifisco Nacional e membro da diretoria do IJF. O Congresso garante, assim, o controle da política monetária, de câmbio e juros, pelos grandes bancos, que aliás sempre indicaram o presidente do Banco Central, um privilégio de classe.[2]

 

Basta ver a biografia de Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central (BC): economista com mestrado, teve sua carreira profissional iniciada no Banco Bozano Simonsen, depois Santander, passou pela Claritas Investimentos e voltou para o Santander, até virar presidente do BC. Nenhum cargo público, nenhuma experiência de gestão para atender ao interesse público. É um homem dos grandes bancos, do sistema financeiro. Os recentes aumentos da taxa Selic, sem justificativa técnica segundo muitos economistas, visam garantir a continuidade da espoliação financeira que avança sobre o dinheiro dos impostos.

Em junho de 2021 o Congresso brasileiro aprovou a Lei n. 14.185, que autoriza o BC a remunerar depósitos voluntários das instituições financeiras. A lei foi sancionada pelo então presidente, Jair Bolsonaro. Segundo a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, é a “Bolsa Banqueiro”.

O BC definiu que a remuneração aos bancos por esses depósitos voluntários recolhidos segue a taxa Selic. Assim, diariamente, os bancos recebem juros ancorados na taxa Selic sobre um percentual dos depósitos de pessoas físicas e jurídicas em seus bancos. Vale dizer, uma remuneração sobre um dinheiro que não é seu, mas dos depositantes. E desde 2020 (PL n. 3.877) não há limite para o valor dos depósitos voluntários feito pelos bancos no BC. Em 2022, o BC pagou R$ 180 bilhões de juros aos bancos pela “Bolsa Banqueiro”.[3]

Controlando o Congresso e o Banco Central, os grandes grupos econômicos e financeiros garantem seus privilégios. Vejamos alguns.

Juros da dívida pública: o mais importante instrumento para garantir privilégios são os juros sobre a dívida pública, que se regem pela taxa Selic, determinada pelo BC. No acumulado de 12 meses até junho de 2024, o setor público pagou R$ 835,7 bilhões (7,48% do PIB) de juros da dívida pública.[4]

Isenção de impostos: em 2023, o governo abriu mão de arrecadar R$ 641 bilhões em impostos, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). Os maiores privilégios são a isenção de imposto sobre lucros e dividendos (R$ 74,6 bilhões), a ausência de imposto sobre as grandes fortunas (R$ 73,4 bilhões) e a Zona Franca de Manaus (R$ 54,6 bilhões). Do total, R$ 440 bilhões são considerados privilégios tributários que não trazem nenhum benefício para a sociedade.

Evasão fiscal: segundo o Sinprofaz, a evasão fiscal, ou práticas ilícitas para evitar o pagamento de impostos, em 2020, somou R$ 562 bilhões.[5]

Emendas parlamentares: R$ 52 bilhões de recursos públicos pulverizados em iniciativas dispersas de parlamentares para atender a fins eleitorais e manter seus grupos no poder.[6]

Outros expedientes: por exemplo, a Lei Kandir, de 1996, que isenta de impostos os produtos destinados à exportação; a não cobrança do Imposto Territorial Rural; o financiamento com dinheiro público das atividades do agronegócio. E há também iniciativas personalizadas de isenção de impostos, como se pode ver por dados de 2021: Vale (R$ 19 bilhões), Eletronorte (R$ 1,2 bilhão), Petrobras (R$ 1,1 bilhão).[7] Isso para não falar nas dívidas ativas que não são cobradas…

De fato, um pente-fino permitiria identificar muitas outras iniciativas que favorecem o 0,01% de nossa população e as grandes corporações. Com os dados já apresentados, pode-se dizer que não falta dinheiro, mas, em razão do controle político, só alguns podem acessá-lo.

Segundo estudo da União de Bancos Suíços (UBS), a fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 37,7% de 2023 para 2024 – agora eles são sessenta – e soma US$ 154,9 bilhões, ou algo como R$ 930 bilhões atualmente.[8]

 

[1] João dos Reis Silva Júnior, “O controle das contas públicas”, A Terra É Redonda, 16 dez. 2024.

[2] “Lei autoriza Banco Central a receber depósitos voluntários de instituições financeiras”, Câmara dos Deputados, 15 jul. 2021.

[3] “Em vez de Bolsa-Banqueiro, governo poderia reparar perdas de todo o serviço público federal”, Auditoria Cidadã da Dívida, 1º ago. 2023.

[4] https://pt.org.br/em-12-meses-capital-financeiro-captura-75-do-pib-com-juros-da-divida-publica/.

[5] Ladislau Dowbor, “O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit”, Dowbor.org, fev. 2023.

[6] Congresso derruba vetos e eleva valor das emendas parlamentares de comissões permanentes no Orçamento de 2024  Fonte: Agência Câmara de Notícias – https://www.camara.leg.br/noticias/1060631

[7] Mariana Desidério, “Governo abrirá mão de R$ 641 bi em impostos no ano; veja maiores renúncias”, UOL, 31 maio 2023.

[8] Nathália Larghi, “Brasil tem 19 novos bilionários, mas maioria são herdeiros”Valor Econômico, 5 dez. 2024.

 

Uma ideia sobre “Um privilégio de classe: o dinheiro público é para os rentistas

  1. Jose.

    “ Segundo estudo da União de Bancos Suíços (UBS), a fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 37,7% de 2023 para 2024 – agora eles são sessenta – e soma US$ 154,9 bilhões, ou algo como R$ 930 bilhões atualmente.[8]”
    Não dá um musk…
    Textão cheio de referência para tentar dizer que a culpa é dos outros??? Não, a culpa é do lula, aliás a culpa é do pt que atrapalhou por décadas e quando assumiu conseguiu piorar o que já estava ruim.

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