7:34O tronco

por José Maria Correia

Já tomei tanta porrada na vida, e de tanto lado, que o couro grosso engrossou de vez, e nem sinto mais nada.

Só me ofendo de coisa muito ruim e maldigo os cão dos inferno.

Eu era ruim de lida na obediência. Não nasci pro cabresto.

Era de ter que me ponharem na corrente no tronco do castigo.

O pau da árvore era escuro de sangue de preto, de muié e de criança.

E era chicote de butiá no lombo, couro de boi velho e cipó e corda com cabo de chifre de demônio.

O sangue corria pros cachorro lamber, mas eu não morria de morte matada, não podia, sem vingar .

Os espírito não acomodam. Me rasgaram muito mas a alma costurou tudo ,

E e o grito que eu nunca gritava e engolia virou em faca e facão, misturada de ferro e ferrugem
com ódio e revolta de escravidão.

Um jeito de eu cuspir até verde e de estanhar os olhos assustando os peão. Fui engolindo as pragas e até que só sobrou as juras .

E depois uma a uma, e já véio, fui cumprindo o que tinha de promessa feita e pra cumprir,

Daquelas grande que fiz com o escapulário da vó no peito e a reza do Orixá Ogum tatuada no braço. Enquanto o cipó me cortava inteiro eu cantava os pontos e rezava as reza.

Juntei os pedaços da partes e colei. Foi com o cuspe da benzedeira e os goles da cachaça do moinho de roda e dos escravos sumidos.

Voltei também de muito fugido e de longe pra bisonhar perto do tronco .

E e fui de pé em pé no lusco fusco da beira da estrada.

Os cachorro vieram me lambê os sangue secado que ainda tinha cheiro de dentro.

Esperei o dia da lua minguante, a do Antônio das Mortes,  e saí de deitado do capim alto junto com os vagalumes.

Me vesti com a capa e o chapéu das trevas e parei na soleira da Casa Grande. Rodeei e vi a sinhá indo dormir com o alumio da vela.

O patrão tava na cadeira pensando quieto no nada.

E no escuro só vi o brilho do palheiro e o chifre do demônio do cabo do chicote .

Fui como os quieto da sexta-feira santa e cheguei devagar e jeitoso a lâmina no pescoço, só pra ele saber que ia morrer.

Ele pôs a cabeça pra frente já esperando a hora da desgraça. Eu puxei fundo na degola .

De outro jeito de morrer, aquele sem susto, sem medo e sem saber, não é o jeito justo de vingar e nem sossega dos ódio.

Então cortei até ralar nos osso depois da carne.

E daí senti brotar o cheiro da loção do barbeiro misturada no fumo de rolo como sangue escorrer na camisa de linho ,

Respirei bem o gosto .

É pra não esquecer da noite e da hora da mardição.

O patrão desengatou a cabeça do pescoço pra frente estrebuchado.

E daí me olhou com os olhos de visagem de misericórdia.

E eu desapegado das minhas juras e do comprometido de sangrar, carquei o pé no mundo pras terras dos vingados de honra.

É desse jeito o amanhã dos homens que não tem como consertar o passado nem de viver duas vezes.

É viver e vingar .

Que de onde venho, não tem outro jeito nem lei nem arrumação.

Só esses feito desapiedados das alma e lutas pra contar.

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