por José Maria Correia
Já tomei tanta porrada na vida, e de tanto lado, que o couro grosso engrossou de vez, e nem sinto mais nada.
Só me ofendo de coisa muito ruim e maldigo os cão dos inferno.
Eu era ruim de lida na obediência. Não nasci pro cabresto.
Era de ter que me ponharem na corrente no tronco do castigo.
O pau da árvore era escuro de sangue de preto, de muié e de criança.
E era chicote de butiá no lombo, couro de boi velho e cipó e corda com cabo de chifre de demônio.
O sangue corria pros cachorro lamber, mas eu não morria de morte matada, não podia, sem vingar .
Os espírito não acomodam. Me rasgaram muito mas a alma costurou tudo ,
E e o grito que eu nunca gritava e engolia virou em faca e facão, misturada de ferro e ferrugem
com ódio e revolta de escravidão.
Um jeito de eu cuspir até verde e de estanhar os olhos assustando os peão. Fui engolindo as pragas e até que só sobrou as juras .
E depois uma a uma, e já véio, fui cumprindo o que tinha de promessa feita e pra cumprir,
Daquelas grande que fiz com o escapulário da vó no peito e a reza do Orixá Ogum tatuada no braço. Enquanto o cipó me cortava inteiro eu cantava os pontos e rezava as reza.
Juntei os pedaços da partes e colei. Foi com o cuspe da benzedeira e os goles da cachaça do moinho de roda e dos escravos sumidos.
Voltei também de muito fugido e de longe pra bisonhar perto do tronco .
E e fui de pé em pé no lusco fusco da beira da estrada.
Os cachorro vieram me lambê os sangue secado que ainda tinha cheiro de dentro.
Esperei o dia da lua minguante, a do Antônio das Mortes, e saí de deitado do capim alto junto com os vagalumes.
Me vesti com a capa e o chapéu das trevas e parei na soleira da Casa Grande. Rodeei e vi a sinhá indo dormir com o alumio da vela.
O patrão tava na cadeira pensando quieto no nada.
E no escuro só vi o brilho do palheiro e o chifre do demônio do cabo do chicote .
Fui como os quieto da sexta-feira santa e cheguei devagar e jeitoso a lâmina no pescoço, só pra ele saber que ia morrer.
Ele pôs a cabeça pra frente já esperando a hora da desgraça. Eu puxei fundo na degola .
De outro jeito de morrer, aquele sem susto, sem medo e sem saber, não é o jeito justo de vingar e nem sossega dos ódio.
Então cortei até ralar nos osso depois da carne.
E daí senti brotar o cheiro da loção do barbeiro misturada no fumo de rolo como sangue escorrer na camisa de linho ,
Respirei bem o gosto .
É pra não esquecer da noite e da hora da mardição.
O patrão desengatou a cabeça do pescoço pra frente estrebuchado.
E daí me olhou com os olhos de visagem de misericórdia.
E eu desapegado das minhas juras e do comprometido de sangrar, carquei o pé no mundo pras terras dos vingados de honra.
É desse jeito o amanhã dos homens que não tem como consertar o passado nem de viver duas vezes.
É viver e vingar .
Que de onde venho, não tem outro jeito nem lei nem arrumação.
Só esses feito desapiedados das alma e lutas pra contar.