por Ricardo Araújo Pereira, na FSP
Ano após ano, os conselhos são sempre os mesmos e a resposta está nos outros
Todos os anos, em janeiro, os jornais publicam uma série de artigos sobre novos começos. Um dos mais populares é o que traz conselhos para, no novo ano, ajudar as pessoas atingirem finalmente a felicidade.
Os anos vão mudando mas os conselhos se mantêm sempre os mesmos: o segredo da felicidade está na sua relação com os outros. Faça novas amizades, partilhe a sua vida com os outros, ajude os outros. Sartre dizia que o inferno são os outros, o que significa que os jornais estão dizendo, na verdade: vá para o inferno.
O segundo conselho para obter a felicidade é meio contra-intuitivo: deixe de tentar obter a felicidade. Não faça nada. Álvaro de Campos declarou famosamente: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada”. Álvaro de Campos sabia do que falava, uma vez que ele, de fato, não era nada. Não tinha existência real, era um produto da imaginação de ninguém mais ninguém menos que o próprio Fernando Pessoa.
Mas quem não teve a sorte de ser criado pelo grande poeta português tem um problema: não ser nada é muito mais difícil do que parece. Na verdade, é realmente um grande luxo.
Uma velha piada judaica diz que dois judeus ricos estão a rezar na sinagoga. O primeiro diz: “Senhor, ao pé de Ti eu não sou nada!” O segundo diz: “Senhor, ao pé de Ti eu não sou nada!” Nisto, o faxineiro da sinagoga também se ajoelha para rezar: “Senhor, ao pé de Ti eu não sou nada!” E os judeus ricos dizem um para o outro, com altivo desdém: “Olha só quem também está convencido de que não é nada…”
O problema é o seguinte: se o segredo da felicidade é deixar de tentar obter a felicidade, e não ser nada, pode ser que o segredo para não ser nada também seja deixar de tentar não ser nada. Quem me garante que tentar não ser nada não é um obstáculo a não ser nada?
É possível que o modo mais eficaz de não ser nada seja tentar ser tudo. Quem tenta ser tudo acaba por não conseguir ser nada, sempre ouvi dizer. Quem tudo quer, tudo perde. E, nesse caso, fica com nada. Que é, ao que parece, o que se pretende.
Sinto que estou no caminho certo, porque perdi bastante tempo a pensar nisto. E de que é que me serviu? De nada.