por Carlos Castelo
Sebo é cultura? É. Mas só se a definição de cultura incluir colônias de fungos que nascem nos cantos de livros velhos e ideias literárias com prazo de validade vencido.
Frequentar um sebo é um ato de resistência: contra o cheiro de mofo e contra você mesmo, que insiste em acreditar que sairá de lá com um Ulisses por R$ 10 e não com mais um livro do Dan Brown que vai apodrecer na sua estante.
Foi com essa expectativa – ou uma pitada de masoquismo – que fui com meu filho a um sebo no último dia do ano. Como sempre, ele foi procurar suas preferências. Já eu fui atrás de um bom policial.
Dirigi-me ao proprietário do sebo, um senhor que parecia feito de poeira e sabedoria acumulada. Ele me olhou com um misto de paciência e tédio. Parecia ter vivido 200 vidas literárias e, em todas elas, alguém havia perguntado o que eu estava prestes a perguntar: “Tem algo bom na seção de policiais?”.
“Harlan Coben”, ele disse. Aquilo equivalia a recomendar um Big Mac a quem estivesse querendo degustar caviar. “Tem meia dúzia ali.”
Meia dúzia. O homem não me ofereceu um autor, ofereceu um lote. Olhei para ele com uma expressão decepcionada. “Não tem nada mais clássico?”
“Sherlock Holmes, talvez? Já ouviu falar?”, disse ele, sem a menor intenção de esconder o sarcasmo.
Sir Conan Doyle, para mim, é o Cristiano Ronaldo da literatura policial: famoso, eficiente, mas você não aguenta mais ouvir falar dele. Fiz um esforço para manter a compostura. “Obrigado”, murmurei, e me dirigi à prateleira como quem caminha para o cadafalso.
Ali estava eu, mergulhado num mar de mediocridade literária, cercado por lombadas desgastadas e títulos que competiam para ver quem conseguia ser mais genérico.
Foi então que encontrei O Agente Britânico, de Somerset Maugham, perdido entre um guia de mecânica automotiva e uma biografia de Maradona. Peguei o livro com a reverência de um arqueólogo que acaba de desenterrar uma múmia egípcia. A capa estava tão puída que certamente havia sobrevivido a um ataque de cupins viciados em crack. Mas aquilo era Maugham! A luz no fim do túnel poeirento.
Enquanto admirava a descoberta, meu filho apareceu com alguns livros de autoficção.
Fomos ao caixa. O dono do sebo pegou O Agente Britânico e o analisou com olhar clínico. “Esse aí ninguém nunca quis. Estava até pensando em mandar pro lixo”.
Foi nesse instante que percebi: o sebo não é apenas um lugar de cultura mediana. É um laboratório de experimentos culturais duvidosos. É onde Sherlock Holmes vira grande novidade e Harlan Coben se transforma em clássico contemporâneo. Típico reflexo do nosso tempo de acompanhar bovinamente o que a manada lê.
Saí de lá ao menos com meu Maugham. No fim das contas, sebo é mais do que cultura. É entretenimento – às vezes pelos motivos errados, mas quem liga?