por Mario Sergio Conti, na FSP
Como na política o joio abunda e o trigo rareia, não é mole distinguir os malas dos bons, os maus dos piores
Ao listar os malas do ano, Artur Xexéo deixava de fora os sem-alça da política. O palavrório dos pesos-pesados do alto e baixo clero o nocauteava assim que subia ao ringue; beijava a lona e lá ficava, sonhando com gente menos beócia. Não via sentido em vaiar uma fileira de baús girando eternamente na esteira do aeroporto.
É chegada a hora, pois, de separar o joio do trigo —e publicar o joio. Como na política o joio abunda e o trigo rareia, não é mole distinguir os malas dos bons, os maus dos piores. Não dá para generalizar, pois nem todos são sem-rodinha. Tem, por exemplo, o… a… como é mesmo o nome?
Kassab. Leva o laurel de mala do ano por sintetizar os modos da casta de cracas que se outorgou um apelido ameno: centrão.
Contados os votos, nomearam-no o César, o Maquiavel, o Átila da eleição municipal. Alçou-se ao altar da pátria ao som do cacarejo de “aspones”: “Olhe o passo do elefantinho, veja como ele é bonitinho”. E lá se foi o rechonchudo filhinho de papai, o queridinho da professora, o bundudinho de topete dos anos 1950, o de risinho bocó entre as bochechas rosadas.
Kassab é o abre-alas dos paquidermes da política. Proclama não ser de esquerda, direita ou centro. Foi ministro de Dilma e Temer numa mesma semana. Faz negócio com quem estiver no balcão. Só se move em causa própria. Nunca melhora a vida de alguém com quem não seja unha e carne. Tira de letra qualquer processo por corrupção e tráfico de influência.
Se um Kassab incomodasse muita gente, mil Kassabs incomodariam muito mais. Mas não é assim que o Brasil funciona porque, em vez de incomodar, Kassab acomoda todos os que vivem da política. Para os finórios da situação e oposição, os sócios do sopão de siglas partidárias, os vigários de credos contraditórios, é imperioso beijar a mão do sumo-sacerdote do toma-lá-dá-cá.
Daniel Silveira. Ficou quase dois anos preso e voltou para a cadeia quatro dias depois de solto. A dimensão de seu cérebro é inversamente proporcional à circunferência de seu pescoço. Além de um dos malas de 2024, é o jumento da década, quiçá o bolsonarista do século.
Janja. Recebeu indulgência plena ao se saber que no dia 8 de janeiro do ano passado, quando um atônito comensal sentado à mesa de Lula sugeriu que ele acionasse a Garantia da Lei e da Ordem, ela protestou: “GLO não“. Para que o golpe prosperasse, a ideia dos milicos era justamente essa: com base num simulacro de legalidade, tomar o poder, assassinar os eleitos e espancar os recalcitrantes.
Não tivesse o presidente esposado a negativa de Janja, talvez Lula e Alckmin fossem alvejados por um capanga de Bolsonaro. Daí o susto quando, referindo-se a Elon Musk, ela disse “fuck you“. Ninguém aqui é pudibundo e um palavrão bem assacado é muitas vezes imprescindível. Mas em inglês fica brega.
Mourão. Por falar em brega, o ex-vice de Bolsonaro, que no 8 de janeiro do ano passado defendeu que Lula deveria decretar a GLO, disse há pouco que a gangue de Brega Nato não cometeu crime porque “não houve ação”. Só se dessem um pipoco na nuca de Xandão se poderia a aventar a hipótese de um golpe —e, segundo o general de cabelos pretos como os kids golpistas, os milicos deveriam ser anistiados porque “foi uma fanfarronada“.
Varões nepotistas. Admita: seu interesse pelo ministério é nulo. Confesse: ao ouvir falar de reforma ministerial, cogita cortar os pulsos. Pois saiba que está perdendo coisas interessantérrimas. Um exemplo: o ministro Fufuca é filho do prefeito de Alto Alegre do Pindaré, urbe de 32 mil almas na caatinga maranhense. Que tal?
Tem mais: os cônjuges de cinco ministros do governo capitaneado pelo PT, que um dia disse adotar práticas republicanas na administração pública, estão empoleiradas em Tribunais de Contas. São cargos vitalícios que propiciam às ilibadas vestais ganhos de até R$ 40 mil. Eis o quinteto de varões nepotistas: Renan Filho, Waldez Goés, Rui Costa, Wellington Dias e Camilo Santana. Olho neles.
Múcio. Tratou os militares a pão de ló e manteve-lhes as sinecuras. Em troca, a Marinha passou-lhe a mão nos glúteos e fez um vídeo esculhambando o governo.
Múcio, o verdolengo, zelou para que o governo engolisse o sapo e adotasse o velho lema da covardia civil: não se mexe na milicada.
Marçal. Barbarizou na eleição para prefeito e por pouco não chegou ao segundo turno. Voltará na próxima eleição e, se perder, concorrerá de novo na seguinte —e assim fará até abiscoitar um cargo. Quem ele pensa que é, um político?