7:45A montanha mágica

de Carlos Castelo

O mundo acabou. E não foi com um estrondo, mas com um mix de gritos, alarmes de carros tocando, e notificações de celular. Entre tsunamis de dados, incêndios globais e algo que as últimas manchetes chamaram de “Nuvem de Espuma Radioativa” (talvez patrocinada pela Tesla), eu sobrevivi. Um milagre, poder-se-ia dizer. Porém, o mais provável seria acreditar que foi azar. Porque sobreviver ao apocalipse, descobri, é só mais um jeito de ser promovido a estagiário do sofrimento eterno.

Passei semanas vagando por desertos cinzentos, desviando de coisas fluorescentes e cruzando rios de lava, até avistar, no horizonte, algo promissor. Uma luz etérea, brilhando em cima de um pico altíssimo. Como bom sobrevivente, segui rumo à cintilação, carregando apenas uma mochila rasgada, um pouco de água contaminada e a esperança de encontrar algo além de solidão.

Foram dias subindo a montanha. Gelo, avalanches, frio cortante e a sensação de que a gravidade era um pouco mais vingativa ali. Cada passo me aproximava do que eu tinha perdido: a fé. Talvez o que houvesse lá em cima fosse um anjo. Ou Deus. Sim, por que não aquele que viverá para todo o sempre? Qualquer coisa serviria. Só precisava de um sinal, algo para eu dizer: “Isso tudo não foi em vão”.

A subida me deu tempo para pensar – o que, no meu estado, era mais maldição do que bênção. Quem foi o gênio que apertou o botão vermelho? Um país? Um cientista louco? Um bilionário, depois de chegar na sua nave particular em Marte? Ou será que o mundo só se cansara de nós? Eu também estava farto de tudo: das regras, das cobranças. No fundo, a ideia de encontrar algo, ou alguém, no topo dessa elevação me dava mais medo do que esperança. E se eu chegasse lá e fosse obrigado a preencher um formulário?

Por fim, depois de dias que pareciam meses, cheguei ao cume. A luz celeste me envolveu como um abraço e, por um instante, me senti limpo, leve. Quase esqueci das bolhas nos pés, do gelo que havia entrado nos ossos e da dor crônica no meu ombro que, com o mundo acabado, já não tinha nenhum plano de saúde para resolver.

E então, vi.

Sentado numa pedra. Um cigarro aceso na mão, embora fosse impossível acender qualquer coisa naquele vento gélido. Não era um anjo. Não era Deus. Era Keith Richards.

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