por Célio Heitor Guimarães
Conheci Dalton Trevisan de vista. Estive algumas vezes a menos de meio metro dele, mas nunca lhe dirigi a palavra. Ele não admitia. Primeiro, encontrei-o na Gráfica Requião, onde nós então imprimíamos a revistinha TV-Programas. Eu ia lá revisar a montagem gráfica e, volte e meia, ali encontrava Dalton, que revisava a composição de seus primeiros livros, editados pela Requião e pagos pelo autor.
Anos mais tarde, encontrávamos Dalton no cafezinho da Praça Zacarias. Todo mundo sabia quem era, mas ninguém podia dirigir-se a ele. Nem para um olá ou boa tarde. Se isso acontecesse, ele abandonava o café e dava no pé. Sem uma palavra.
O que tinha de talentoso e genial nos escritos que escrevia e reescrevia incontáveis vezes, tinha de esquisito. Contou aqui Miguel Sanches Neto que, ao caminhar pelo Passeio Público, Trevisan implicava com o canto metálico de certa araponga. Tanto que pediu a Miguel que, sob pseudônimo, encaminhasse uma reclamação à prefeitura para que retirasse o pássaro do viveiro das aves canoras.
Dalton também tinha fases de amor e ódio com as pessoas. Miguel viveu momentos de grande amizade com o nosso Vampiro. De repente, ele passou a tratá-lo como inimigo. A razão? O Correio Brasiliense publicou uma matéria sobre os hábitos do escritor e Trevisan achou que as informações foram dadas por Sanches.
O jornalista Marcos Barrero teve mais sorte. Veio de São Paulo para uma entrevista/perfil de Dalton para a revista Status. Depois das dificuldades iniciais, com a ajuda de amigos do escritor, conseguiu flagrá-lo em uma banca de jornais da Boca Maldita, onde Dalton rotineiramente comparecia para, meio escondido, folhear revistas pornográficas.
Conta o Marcos, aqui mesmo no Zé Beto, que teve o desplante de levar uma primeira edição (1959) de Novelas Nada Exemplares para um autógrafo. Por que?! Trevisan enlouqueceu. Vivia à cata de velhas edições de seus livros para destruí-las. Dizia que só valia a última, na qual fizera todas as correções possíveis e impossíveis. Segundo Barrero, o Vampiro ficou doido. Queria porque queria aquele velho exemplar. Propôs compra, troca. Enquanto os dois discutiam, o jornalista ia fazendo o seu trabalho. Enfim, cedeu. Trocou a edição da José Olympio Editora por livros novos autografados e dedicados a ele. E conseguiu a almejada entrevista. A despedida foi amigável.
No entanto, quando o perfil foi publicado, o editor-chefe de Status sofreu um tormento bem daltiano. Metódico, por meses, Trevisan remeteu bilhetinhos para três endereços: redação da revista, Livraria Cultura (na qual Gilberto era também editor) e sua própria casa. Em algum deles a mensagem “vingadora” haveria de chegar: “Agora, estais feliz, Gilberto, à sombra de uma figueira, com 30 dinheiros na mão, Dalton”.
Inúmeras eram as manias de Dalton Trevisan. Por exemplo: almoçava todos os dias no mesmo restaurante, o vegetariano Verão Natural, na Rua João Negrão, centro de Curitiba. Era um buffet com saladas e pratos quentes. Narra Maringas Maciel, sobrinho do fundador do restaurante:
“O restaurante abria as 11h30 e assim que a porta pantográfica subia, o vampiro entrava, cumprimentava minha mãe que estava no caixa e, invariavelmente, sentava na mesma mesa discreta num canto, quase embaixo da escada”.
“Certa vez” – continua Maciel –, “Dalton chegou ao restaurante e se deparou com um casal sentado em sua mesa. Não disse nada. Apenas ficou parado no meio do salão. Minha mãe percebeu a situação e pediu de forma gentil que os ocupantes trocassem de mesa. Com os lugares vazios, o escritor se sentou e seguiu com sua rotina”.
Assim foi Dalton Trevisan, honra e glória das letras curitibanas. Em 99 anos de vida, jamais deixou a sua Curitiba. Agora, está deixando saudade.