de Nilson Monteiro
(poema em homenagem a Londrina, que completou 90 anos em 10/12/2024)
De um relâmpago se fez luz
e no dia que era noite
meus olhos adolescentes gulosos
lamberam, fêmea,
seu corpo estirado vermelho.
Meus pedaços
no colo do espigão vulcânico
sentiram frêmitos
e se renderam à paixão,
amor e ódio,
enroscados em tempos
que busco desfiar fibra por fibra.
Tento saber
se ainda é virgem
nos vincos de nove décadas
como a mata que te permitiu vida
ou o sopro ao barro que te fez fértil.
Tento saber
se é indiferente
às suas cores e dores,
largada em meio a espinhos
dentes trincados de raiva
ou lábios acolhedores.
Tento saber
porque teu cheiro me confunde
e tenho convulsões de amor
ou sinto coices de ódio.
Um século te chama
Meus olhos te passeiam
e desnudam
uma lasca de menina
e seu chumaço sensual,
gaze verde,
algodão despenteado por pássaros
galhos embalados
pelos sinos sagrados do Ângelus,
bênçãos em meio
às nuvens sangradas
entre sarrafos de concreto.
Melos olhos te passeiam
e lacrimejam
uma toada caipira e aflita
de boias-frias de sua história
enterrados em meio a carreadores
e sacos de café,
o matiz de seu ouro
no arco do finito.
Meus olhos te passeiam
e lembram
tempos tétricos
cicatrizes abertas
brancas e geladas
a te cortar o corpo e o espírito,
a deixar sangue pisoteado
e esperanças mortas,
ressuscitadas em cabeleiras feudais.
Meus olhos te passeiam
e saciam
a fome no leite e no leito
de suas canções líquidas
de seus suspiros amantes
de suas janelas fechadas.
Meus olhos te passeiam
e aquecem
o passado em casas de madeira enrubescidas
pela chuva da cor do chão
e das dobras encardidas da alma
Meus olhos te passeiam
e vivem
sem arar nostalgias,
nadam em lágrimas
bentas de saudades,
descobrem o amante que há em mim
e provam a carícia destilada em goles
Meus olhos te passeiam
e despem
seres avessos
a esculhambar
as alegrias
agitando bandeirolas do atraso
Meus olhos te passeiam
e encontram
tatuagens descoradas nas esquinas,
teias em bocas jovens
alimentadas de mudez,
aranhas nas rugas erodidas da igreja,
cigarras incendiadas nos campos,
o presente embasbacado,
espigões furando o infinito,
angústias encalhadas em sua garganta,
soluços de saudades
entre cheiros floridos,
signos proibidos do pecado,
amor visguento que não desgruda da alma.
Um cisco de peroba
embaça meus vitrais e
resta um sol gema pendurado
no céu, a banhar-se
no espelho violáceo do seu lago.
As pálpebras estão ensopadas.