Enxerguei os dois irmãos no escuro. Estavam no alto de uma pirambeira. Tive medo. Cá embaixo, no asfalto selvagem, uma motocicleta passou em baixa velocidade. Pelo ronco era daquelas cujo som foi patenteado. Olhei o relógio. Três da madrugada. Olhei o capacete do piloto. Viseira erguida. Os olhos… Conhecia de algum lugar. A memória trabalhou. Lembrei de um outro som. Muito diferente, porque descrito numa revista. Uma bola de vôlei batendo numa parede. Várias vezes, seguidamente. Anos depois li algo parecido, mas era pesado e anunciando morte. A fumaça do crack entrando no corpo humano e disparando um alarme no cérebro. Olho para o asfalto e os pés estão sobre o sinal de internet livre. Os dois irmãos continuam como sombras concretas dominando tudo. A bola de vôlei volta a bater. Os olhos do motociclista da madrugada são de Marcelo Rezende, que partiu antes do tempo, autor de uma brilhante reportagem sobre Renan Dal Zotto. A do crack, no começo da praga, era de Elio Gaspari. Sozinho na avenida, as ondas do mar parecem mensageiros. Uma pede para olhar direito os irmãos. Os monumentos em rocha pura se fundem na memória afetiva. Fica claro que o mais alto sou eu. O menor, meu único irmão que partiu sem dizer adeus – porque isso não existe para quem ama. Da portaria do prédio que aparece em em cenas de “Ainda estou aqui”, me acenam para entrar. Entro, durmo assim que me estico no colchão. Antes dos sonhos vívidos, certeza de que os dois irmãos…