16:48Cartinha do Papai Noel

por Carlos Castelo

Queridos humanos,

Depois de séculos distribuindo presentes e alegria, chegou minha vez de escrever uma cartinha a vocês. Não, não é para pedir nada. É para avisar que deu, acabou, finito. Esse ano não tem Papai Noel.

Vocês não fazem ideia do que é gerenciar uma operação desse porte no Polo Norte. Já viram o preço do diesel? E olha que preciso abastecer um trenó voador. Isso sem falar nas despesas com as renas. Só o Rudolph consome mais cenouras orgânicas que um vegano em retiro espiritual. Sem mencionar o nariz dele. Troquei a lâmpada LED seis vezes só esse ano. Não é à toa que é vermelho – deve ser de vergonha da conta de energia.

A Mamãe Noel pediu o divórcio. Disse que não aguenta mais um marido que só trabalha uma vez por ano e passa o resto do tempo vendo Netflix e comendo rabanada. Como se fosse fácil manter esse “shape” característico. Agora ela quer metade de tudo, inclusive dos duendes. Já pensou pagar pensão para duende? São mais de 300.

E, falando em duendes, todos aderiram ao home office. Dizem que o Polo Norte é muito frio e querem trabalhar de cuecas das suas casas. Agora, tenho uma fábrica de brinquedos operando remotamente via Zoom. Outro dia, um duende apareceu numa reunião sem camisa, tomando cerveja.

Outro problema são os custos dos presentes. Inflação não existe só no Brasil. Videogame, celular, tablet, é tudo pela hora da morte. Antes era bem mais fácil: boneca de pano, cavalinho de madeira, peteca. Hoje, criança de três anos me pede iPhone 16 Pro Max. Dia desses, recebi a carta de um bebê, que ainda nem tinha nascido, querendo um Porsche.

Some-se a isto o absurdo preços dos meus trajes. Vocês acham que é fácil manter o guarda-roupa de um ícone natalino? Meu uniforme vermelho, que antes era costurado por fadas artesãs, agora precisa ser feito com tecido antichamas, proteção UV e tecnologia dry-fit – tudo por causa do aquecimento global. Cada roupa nova não sai por menos de 15 mil dólares, e olha que preciso de várias para revezar durante a noite de Natal.

Aliás, esse aquecimento global já derreteu metade do meu quintal, na outra parte começou a nascer mato. Semana passada quase perdi a oficina inteira numa rachadura do gelo.

O trenó está precisando de revisão urgente. E, claro, não se encontra um mecânico especializado em trenó voador toda hora. O último que tentou consertar era ex-funcionário da Tesla e, mesmo assim, disse que nunca tinha visto um sistema de propulsão híbrido daquele, movido a diesel e a veados.

Portanto, esse ano vai ser assim: não tem Papai Noel. Vou tirar um ano sabático. Quem sabe abro um food truck de biscoitos natalinos ou viro influencer de lifestyle. “Dear Santa” já está registrado no Instagram.

P.S.: Caso alguém se interesse, estou vendendo nove renas seminovas, com baixa quilometragem e todas as revisões em dia. O Rudolph vai separado, está pedindo muito cachê pelo nariz iluminado.

Com zero Ho-Ho-Hos,

Papai Noel (em breve, só Nicolau)

(Publicado no O Dia)

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