6:09Consciência negra

por Célio Heitor Guimarães

Ontem, quarta-feira 20, foi celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data marca a morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares e passou a ser feriado nacional, graças a Luiz Inácio Lula da Silva. Antes, o dia não fazia parte do calendário nacional e nem era considerado ponto facultativo, a não ser em parte do Brasil.

Sabe, companheiro-presidente, não gostei da ideia. A intenção pode ter sido altruísta, mas nem por isso a mais adequada. A consciência negra deve ser cultuada todos os dias por todos nós, negros ou brancos. Mas estabelecer uma data é, na minha deslustrada opinião, destacar o preconceito, dar margem para discussões e atiçar os difusores do ódio.

Já tratei do assunto aqui. Uns quatro anos atrás, quando o gen. Hamilton Mourão, então vice-presidente da República, hoje senador, garantiu não haver racismo no Brasil. Ele afirmava que racismo tem nos EUA, “que querem importar” para o nosso país.

Comecei indagando ao general quantos negros tem o Exército brasileiro. Disse que no norte-americano tem vários, sendo que um deles, Colin Powell, chegou a secretário de Estado. Outro negro, ainda que não general, chegou à presidência da República.

A afirmação de Mourão remeteu-me a outra estultice do gênero, quando o cientista Charles Murray e o psicólogo e professor de Harvard Richard Hernstein, ambos americanos, sustentaram em conjunto, em um livreco, que o QI dos negros é inferior ao dos brancos.

Murray confessou a Sérgio Dávila, da Folha de S. Paulo, não conhecer o Brasil e pouco saber sobre nosso país. Uma pena. Se conhecesse, saberia que aqui também temos os nossos QIs baixos. E quase todos na vida pública nacional. Mas nenhum (ou muitíssimo poucos) de pele escura. Nossos negros são sinônimos de brasilidade e desmontam, com um pé nas costas, as preconceituosas conclusões de Murray, Hernstein e assemelhados.

No Brasil, graças à canalha escravocrata que importou os negros da África, o maior escritor – hoje reconhecido como um dos maiores do mundo – foi o negro Joaquim Maria Machado de Assis; alguns dos maiores poetas, como Castro Alves e Cruz e Sousa, eram negros; nas artes e na música em especial, os grandes astros marcaram presença com a sua negritude: Pixinguinha, Sinhô, Ismael Silva, Cartola, Heitor dos Prazeres, Monsueto Menezes, Zé Keti, Lupicínio Rodrigues, Caymmi, Sebastião Prata (Grande Otelo), Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Antônio Pitanga, Odelair Rodrigues, Taís Araújo, Jorge Benjor, Paulinho da Viola, Ângela Maria, Zezé Motta, Milton Nascimento, Elza Soares, Tim Maia, Leny Andrade, Luiz Melodia, Alcione, Gonzaguinha, Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Gilberto Gil, Djavan, Seu Jorge, Lázaro Ramos, Chico César, Mussum, Ed Mota, Emílio Santiago e Vinícius de Moraes, que sempre se considerou “o branco mais preto do Brasil”. E no esporte? Aí, já é covardia: Edson Arantes do Nascimento, Mané Garrincha, Didi, Zizinho, Leônidas da Silva, Barbosa, Domingos da Guia, Djalma Santos, Ronaldo, Ronaldinho, Robinho, Neymar, Dida, Daiane dos Santos, Leandro Barbosa, Janeth, Nelson Prudêncio… e vai por aí afora.

Tudo gente de baixo QI, como tinham sido Zumbi dos Palmares, Luís Gama, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, o extraordinário geógrafo Milton Santos e o ministro Joaquim Barbosa, do STF. Será que é tudo branquelo disfarçado de preto?

No Brasil, realmente não deveria haver racismo, pois, como brasileiros, somos todos índios, europeus e negros. De uma forma ou de outra, já tivemos um pezinho na senzala. E isso só pode nos encher de orgulho. Mas há. E muito. Aqui o preconceito existe sim, junto com a desigualdade, e é grande. Em cada esquina, nas praças e jardins, nas lojas e shoppings, nos condomínios, nas escolas. E nos quartéis.

No entanto, não será estabelecendo o mês ou o dia da consciência negra que demonstraremos a nossa repugnância e acabaremos com a hostilidade e repressão. A questão é muito mais greve e depende, primordialmente, da convicção, lucidez e solidariedade de toda a sociedade. Todos os dias. Sempre.

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