por José Maria Correia
Há cerca de quarenta anos atrás, em 1986 e durante a cerimônia de transmissão do cargo de governador de José Richa para seu vice João Elisio no Palácio Iguaçú, resolvemos organizar um protesto enérgico contra a presença do mais longevo e antigo ditador do mundo .
O infame general paraguaio Alfredo Stroessner.
Eu era o vereador de Curitiba mais votado e líder do governo, tinha alguma presença, e ainda não me tornara invisível no cenário político da província.
Recebi prévias ponderações de alguns setores da esquerda , de progressistas e de conservadores , me desaconselhando da iniciativa e justificando que a vinda do sanguinário ditador, mesmo indesejável, era necessária em razão dos interesses e contratos internacionais, Brasil , Argentina e Paraguai que envolviam , exportações , a Itaipu Binacional e o Porto de Paranaguá.
Exigências diplomáticas e ações que seriam suficientes para evitar os constrangimentos ao veterano déspota que eu causaria, portanto.
Expliquei aos companheiros que seria a única oportunidade que teríamos de protestar e denunciar os assassinatos de milhares de militantes que defendiam a democracia e o retorno ao estado de direito e tinham sido sequestrados torturados e assassinados nas operações clandestinas da Operação Condor e em outras de interesse da CIA e da repressão no Cone Sul.
Um dever de solidariedade aos torturados, mortos e desaparecidos e seus familiares.
Com Stroesnner viriam também os oficiais do aparato de repressão que não saiam do Paraguai há mais de vinte anos por medo de serem processados , condenados e presos em outros países , cujos cidadãos haviam sido assassinados na famigerada “ Casa da Morte” o centro de tortura comandado pelo temido “ Pastor Coronel” um aplicado discípulo do técnico em interrogatórios Dan Mitrione , instrutor que andou pelo Brasil todo e também por Curitiba, até ser justiçado no Uruguai em 1970 .
A única e imperdível oportunidade de um protesto olhando nos olhos dos criminosos.
“Não deveríamos perder a ocasião e nem a vida por delicadeza“, como escreveu o jovem poeta Arthur Rimbaud” .
Assim. em uma bela manhã de sol lá estávamos em uma centena de jovens rebeldes com faixas e cartazes de “ Abaixo a ditadura. “
“ Fora Stroessner bandido” e outros mais , bem na porta de entrada do Palácio Iguaçu.
Foi uma surpresa para o incompetente serviço de inteligência do ditador, e maior ainda para ele que teve que entrar escoltado veloz e indignamente, irritado e assustado com a possibilidade de um atentado.
Bem, o fato é que a cerimônia prosseguiu com o salão térreo lotado e os discursos de praxe dos convictos democratas, os governadores José Richa e João Elisio, até o momento em que eu, seguindo o que havia sido planejado. me aproximei bem na frente do ditador e levantei alto o cartaz de – Abaixo a Ditadura, com gritos de minha parte e dos companheiros espalhados
Entre eles universitários , intelectuais e alguns líderes políticos de oposição e exilados do Paraguai que vieram de Foz do Iguaçu para o protesto pacífico e sem violência.
Foi o constrangimento não esperado.
Os generais de Stroessner e o próprio , todos de impecáveis uniformes brancos e muitas medalhas e condecorações irrelevantes ostentavam, também quepes e chapéus altos que mais lembravam os de cozinheiros e chefs de cozinhas de restaurantes.
Passaram a me olhar com ódio e sinais corporais de ameaças que eu já conhecia em minha vida profissional de delegado de polícia .
Houve perplexidade no imenso salão do palácio e um silêncio com gestos vindos do palanque recheado de deputados e secretários, uns faziam discretos sinais de positivo com os polegares das mãos e outros acenavam como se fossem maestros pedindo moderação nos tons aos músicos da orquestra .
A segurança do palácio logo me cercou para apreender o cartaz, mas alguns outros surgiram nos fundos e já não havia mais clima para a permanência da comitiva ditatorial.
O cenário da primeira manifestação pública no Brasil contra Stroessner era propício para fotografias e registros históricos.
Foi o que fez o grande fotógrafo Orlando Kissner, correspondente da Reuters e de agências estrangeiras, registrando todo o episódio.
Os generais ao término do evento saíram apressados para seus Chevrolets Opalas pretos cercados pelos manifestantes e debaixo de vaias.
Os carros que receberam tapas nas capotas saíram em disparada queimando pneus.
No dia seguinte, os principais jornais do Brasil e do mundo colocaram essas fotos com manchetes nas primeiras páginas .
Eu recebi muitas mensagens de congratulações pela coragem e desassombro de organizações que defendiam os direitos humanos em todos os continentes.
Mas também fui muito atacado por parte da imprensa local, com alguns editoriais e artigos de jornalistas à soldo , ou reacionários de extrema direita , que me acusavam de esquerdista irresponsável, anarquista e tantas outras desqualificações que somente me fizeram ter certeza de que eu e os companheiros estávamos certos.
Foi o único protesto público na presença do ditador até que fosse deposto e a repercussão também contribuiu de alguma forma para que três anos depois em 1989 , fosse deposto e terminasse seus dias exilado e impune morando no Brasil onde faleceu senil em 2006
Passados esses anos todos da manifestação que fizemos contra um ditador presidente no exercício de seu cargo, leio agora muitas reações semelhantes criticando a quebra da liturgia e contra uma frase que a socióloga Janja da Silva , esposa do presidente Lula, disse em uma manifestação descontraída contra o golpista digital Elon Musk , o homem mais rico do mundo, convidado para um cargo de predador no futuro governo de Trump , o Herodes dos imigrantes latinos.
Mas o que fez afinal Janja de tão grave ?
Em tom de brincadeira, quando ouviu um som bastante alto enquanto falava em favor da regulamentação das mídias sociais e sorrindo disse – “ Elon Musk ,não tenho medo de você “
Estava se referindo ao fato de não ter medo da posição do bilionário que defende que todo tipo de fake news , manifestações de ódio de negacionistas, propagadores de tratamentos anti-ciência e organizações e grupos golpistas possam se manifestar livremente pela internet como milícias digitais ameaçando autoridades de qualquer país e o próprio estado democrático de direito.
E completou em tom de brincadeira “Fuck you, Elon Musk”
Disse o que milhões de brasileiros, não todos evidentemente, dizem no seu cotidiano e pensam sobre o dono de uma das maiores mídias do mundo,Twitter ou X .
Frase que está em músicas de rap , expressão popular que se escuta em qualquer filme , comédia, show ou variedades onde se conheça ao menos dez palavras em inglês no mundo todo.
Como as camisetas : “We are the best, fuck the rest”.
Não causou injúria , ofensa contra a honra ou dano ao poderosíssimo manipulador de mercados financeiros.
Nem mesmo cócegas .
E ele logo respondeu em suas mídias com um “Vão perder as eleições “ .
Game over.
Encerrado.
Mas não foi assim , continuou.
E com muitas críticas e protestos , dos que passaram a exigir da esposa do presidente um comportamento diplomático irreparável e até obsequioso para com o rei das milícias digitais e manipulador de eleições .
Um exagero de admoestações nas redes sociais.
Boa parte delas sensatas, bem intencionadas e respeitáveis , ditas por pessoas que respeito e considero.
Mas a maior parte veio mesmo dos que admiravam a postura injuriosa do influenciador Pablo Marçal nos debates televisivos recentes.
Ou a agressividade verbal da candidata à prefeita que disputou o segundo turno em Curitiba.
Me pareceu muita indignação seletiva .
Much Ado about nothing, título da comédia de Shakespeare , muita discussão e preocupação sobre quase nada.
O planeta continuou girando no mesmo ritmo e nada prejudicou ou arranhou
as relações multilaterais que estão sendo discutidas no Brasil .
E eu, é claro, em certas ocasiões disruptivo e iconoclasta , concordei desta vez com dona Janja.
“…era necessária em razão dos interesses e contratos internacionais, Brasil , Argentina e Paraguai que envolviam , exportações , a Itaipu Binacional e o Porto de Paranaguá. …”
Esqueceu o Banco Del Paraná do governo estadual de Ney Braga e Jucundino Furtado com um sócio paraguaio de nome Conrado Pappalardo.
O Paraná se meteu nessa enrascada e sobrou para o aposentado Requião e seus dólares enviados por cachorreiro-quente de Ponta Porã ao dólar câmbio da agência de viagens de seu Secretário de Turismo para madame Quarenghi.
Janja podia mandar um fuckyou para o dono do BTG que faz a vida com rentistas.
Para o dono da Qualicorp que emprestou o jatinho para o casal ir ao Egito ainda como presidente eleito e visitar as pirâmides tumbas.
Para os irmãos donos da JBS e Friboi que fazem um estrago na politicagem do Brasil.
Para azedar o caldo de piranha dos tubarões de empreiteiras que deporam e mandaram seu atual marido para o xilindró.
Tem mais Janja?