de João Ubaldo Ribeiro. no livro “Viva o Povo Brasileiro”
… Sem conseguir resolver para onde olhar durante todo esse tempo, Dafé se admirou de haver tanta ciência naquela gente comum, se admirou também de nunca ter visto nos livros que pessoas como essas pudessem possuir conhecimentos e habilidades tão bonitos, achou até mesmo a mãe uma desconhecida, misteriosa e distante, em seu saber antes nunca testemunhado. Quantos estudos não haveria ali, como ficavam todos bonitos fazendo ali suas tarefas, agora também ela ia ser pescadora! Até pouquinho, estivera meio convencida, porque ia ser professora e portanto sabia muito mais coisas do que todos eles juntos, mas se via que não era assim. Tinha gente que pescava o peixe, gente que plantava a verdura, gente que fiava o pano, gente que trabalhava a madeira, gente de toda espécie, e tudo isso requeria grande conhecimento e muitas coisas por dentro e por trás desse conhecimento — talvez fosse isto a vida, como ensinava vô Leléu, quanta coisa existia na vida! Que beleza era a vida, cada objeto um mundão com tantas outras coisas ligadas a ele e até um pedaço de pano teve alguém para prestar atenção só nele um dia, até tecê-lo e acabá-lo e cortá-lo, alguém que tinha conhecimentos tão grandes como esses pescadores e navegadores, mas já se viu coisa mais bonita neste mundo do nosso Deus? Dafé sentiu até um pouco de vontade de dançar, deu uns tapinhas acelerados na borda do barco, deu uns gritinhos, sapateou de emoção, correu de um lado para o outro, vendo aqui o peixe que vinha, ali o anzol sendo iscado, acolá o plaf-plaf das chumbadas engolidas pela água — mas oba, oba, oba, esta vida não é uma beleza cheia de novidades? Agora ela também queria trabalhar de navegadora e pescadora. Mas também queria ser professora. E o que é que ela queria mesmo? Queria ser tudo, isso sim! Porque cada ofício tem o seu conhecimento da vida, quantos lados tem a vida, vô Leléu?…