18:06O paradoxo do coxo

por Ricardo Araújo Pereira, na FSP

Princípios universais não costumam admitir exceções

Não há nenhum paradoxo do coxo. A única coisa estranha na expressão “paradoxo do coxo” é que duas palavras acabadas em “oxo” se pronunciem de modo tão diferente. O que é esquisito, mas não propriamente paradoxal. Paradoxo a sério é o seguinte: estávamos na aula quando o professor de filosofia disse: “O pensamento crítico é a coisa mais importante que vos posso ensinar. Vocês devem questionar tudo o que vos disserem.” Eu perguntei: “Será?”

O professor não pareceu muito satisfeito. Eu estava seguindo o seu conselho ou pondo em causa o seu conselho? É possível que pôr em causa o seu conselho seja seguir o seu conselho, mas como é que posso seguir um conselho se o ponho em causa? Talvez o professor devesse ter dito “Questionem tudo o que vos disserem, exceto esta indicação”, mas isso havia de gerar alguma desconfiança, porque os princípios universais não costumam admitir exceções.

É um problema antigo. Na carta a Tito, São Paulo escreve que “cretenses são sempre mentirosos”. E a seguir acrescenta, concordando: “Este testemunho é verdadeiro.” O problema é que o autor da frase que São Paulo cita é Epimênides, e Epimênides também era da ilha de Creta. Ora, quando um cretense diz que os cretenses são sempre mentirosos, há duas hipóteses: ou está mentindo, e por isso está dizendo a verdade; ou está dizendo a verdade, e por isso está mentindo. A declaração é falsa se for verdadeira e é verdadeira se for falsa.

Portanto, quando São Paulo conclui que o testemunho é verdadeiro, é difícil saber o que é que está deduzindo. Já no século 5, num sermão sobre o salmo 116, São Jerônimo detém-se no versículo 11: “Eu dizia na minha agitação: todo o homem é mentiroso.” Se é verdade que todo o homem é mentiroso, pensa São Jerônimo, então o salmista, que também é um homem, está mentindo. Porém, se ele está mentindo, a frase “todo o homem é mentiroso” não é verdadeira. Logo, pergunta São Jerônimo, ele está mentindo ou dizendo a verdade?

Considerando tudo isto, é possível retirar uma conclusão bastante perturbadora: a de que um homem que é santo, como São Jerônimo, formula mais ou menos as mesmas perguntas que um reles engraçadinho que deseja apenas irritar o professor de filosofia. O que, curiosamente, constitui mais um surpreendente paradoxo.

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