10:44São Roque

por Carlos Castelo

Passei grande parte da adolescência e inícios da juventude em São Roque. Meus pais adquiriram um sítio na antiga estrada de Santo Antônio, que beirava o Mato da Câmara. O Santa Teresa era uma propriedade com cerca de quatro alqueires, nascente, lago com tilápias, bosque, dois cavalos, uma mula, porcos, galinhas, laranjal, eucaliptal, mil pés de videiras e uma adega de vinho. Com o passar dos anos, o local foi sendo guaribado e ganhou viveiro de pássaros, coelheira, sauna e quadra de tênis.

Íamos de São Paulo para lá toda sexta à noite. Para enfrentar a neblina do alto da serra, instalamos faróis Cibié amarelos no Ford Galaxie 500. Após a travessia, era torcer para a lama não estar muito pantanosa nos seis quilômetros de terra até a porteira. O ladeirão da chácara do japonês deixava até jipe Land Rover na mão.

Meu pai desenvolvera uma técnica de passar pelo atoleiro que sempre deixava minha mãe com enxaqueca. Ao chegar no sopé da rampa, engatava uma segundona e metia a bota no acelerador: parecia arrancada de prova de Fórmula 1. Houve vezes em que chegamos ao topo com a frente do Galaxie virada para baixo. O carro, antes branquinho, ficava completamente enlameado. Papai, homem pragmático, terminou trocando-o por outro marrom.

O estresse noturno era compensado logo ao nascer do dia. Passeio de cavalo e piscina pela manhã, almoço pantagruélico, tarde dedicada ao futebol no campinho e noite com lareira e histórias de fantasmas. O que mais poderia querer um menino? Talvez descobrir sobre beijo na boca e outras coisas da vida. Encontrei isso também em São Roque. Treinei com algumas garotas da redondeza até conhecer o primeiro crush: Leonor.

Numa festa de São João, como a das letras de Noel Rosa, nos olhamos por um longo tempo. Depois já fomos nos abraçando, nos beijocando, sem maiores delongas. Durante os primeiros encontros com Leonor, a situação se repetia. Eu não sabia onde ela estudava, como era seu dia, o que pensava de mim, nada. Nossa conversa era sem diálogos. Uma tarde, quando voltava de nosso chamego, o caseiro do Santa Teresa me abordou e disse:

– Então, parece que o patrãozinho gostou da mudinha!

Como Leonor, fiquei sem palavras. O amor, porém, não carece de comunicação verbal. Prossegui com ela por um bom tempo. Na verdade, foi Leonor quem me deixou. Num sábado, ao acordar, o filho do caseiro me contou tudo. Ela conhecera, no largo da Matriz, um outro mudo e passaram a conversar por libras. Dali para o compromisso foi um passo.

Moral: antes de se apaixonar, certifique-se de que vocês falam a mesma língua.

(Publicado no Estadão)

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