por PVC, na FSP
Nas duas semanas de Olimpíadas, a palavra-chave não é vitória, é solidariedade
O rio Sena divide Paris. A margem direita, “rive droit”. A esquerda, “rive gauche”.
O mundo não se baliza assim, ou pelo menos não deveria.
Na Assembleia Nacional, durante a Revolução Francesa, os jacobinos sentavam-se à esquerda do Parlamento e os girondinos, à direita.
A Paris do rio Sena divide-se entre sul e norte, não de forma tão caótica quanto o túnel Rebouças segrega a população do Rio de Janeiro.
A cerimônia de abertura dos 33º Jogos Olímpicos acontecerá na noite parisiense desta sexta-feira (26), pela primeira vez fora de um estádio, e de forma inédita com delegações embarcadas no Sena.
À margem direita, se verá a Torre Eiffel e sua imponência. O Jardim de Luxemburgo, a Sorbonne, o Musée des Invalides, a região mais cara da cidade mais charmosa.
À margem esquerda, a avenida Champs-Élysées. Um plebeu em São Paulo chamou um bairro paulistano, quase homônimo, de Campo dos Elíseos, em vez de Campos Elíseos.
Não, não… Esqueça Tarcísio de Freitas.
Voltemos a Paris.
A Cidade Luz é suficientemente luminosa, para não ser separada entre sua margem esquerda e direita, embora se saiba que o rive droit tem os hotéis mais caros e os restaurantes mais refinados. Tudo poderia ser assim, iluminado, não dividido.
Mas é.
Se você teve a sorte de viajar à França, aterrissou no aeroporto Charles de Gaulle e pegou o metrô, em vez de entrar num uber, entendeu a diversidade como característica da França de hoje. É na capital dos franceses que vivem descendentes de marroquinos, argelinos, senegaleses, congoleses, ganenses, camaroneses, negros, brancos, árabes e judeus.
Aqueles que a música preconceituosa da seleção argentina chamou de angolanos.
São franceses de fato, direito e orgulho.
No Brasil, você talvez também já tenha ouvido dizer que Zidane é argelino. Nasceu em Marselha, é ídolo de quem vive a França e sobrevive ao preconceito.
A abertura dos 33º Jogos Olímpicos é um símbolo. O Sena mostrará muito mais do que a divisão entre sua margem esquerda e direita, a necessidade de pensar sobre convivência, tolerância, empatia.
Também sobre o meio ambiente que só nos permitirá viver mais alguns séculos sobre ele se conseguirmos respeitá-lo, o que também significa nos respeitar uns aos outros, independentemente de cor, credo, orientação sexual e condição social.
A razão não está à esquerda nem à direita, mas no meio do rio, em que a prefeita de Paris mergulhou nesta semana. O Sena não era tão saudável havia 108 anos e não é que já seja totalmente confiável. É que vale o símbolo de mergulhar nas questões sociais e ambientais.
Nas quadras, campos, pistas e piscinas, o Brasil tenta repetir seu crescimento, depois de suas duas melhores participações nos Jogos, no Rio (19 medalhas, 7 de ouro) e Tóquio (21 totais, 7 de ouro).
A 12ª colocação no quadro de medalhas contrasta com a 89ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O sonho de ser um país olímpico só será realizado quando o esporte estiver nas escolas e 100% dos brasileiros tiverem acesso a elas.
Não exclui que, nas próximas duas semanas, o país comemore resultados expressivos no iatismo, judô, surfe, skate, vôlei de praia, no vôlei, que torça pelo basquete, representado pelos homens e pelas mulheres, e no futebol, bicampeão ausente no masculino e que sonha voltar ao pódio no feminino após 16 anos sem sucesso.
Nestas duas semanas, a palavra-chave não é vitória. É solidariedade.
É o grande valor dos Jogos.
Não é o Sena que divide Paris. A falta de empatia é que separa o mundo.
Incendiar estações de trens é falta de empatia ou terrorismo?
Vamos ver os malabarismos da turma quando aparecerem os culpados…