por Ruy Castro, na FSP
Pelo dinheiro pré-real, 20 qualquer coisa não queria dizer nada. Só pensávamos em milhares
O festival de reportagens sobre os 30 anos do Plano Real não apenas fez justiça a uma medida que tirou o Brasil do buraco como serviu para que eu dirimisse uma dúvida que me perseguia desde a sua implantação. No dia em que ele foi lançado, uma nota de 1 real comprava 1 litro de leite, 1 kg de açúcar ou uma dúzia de ovos. Com 50 centavos de real, pagava-se uma passagem de ônibus ou 1 litro de gasolina. Era formidável. Nos governos anteriores, a inflação era tal que um deles lançou uma moeda de 500 mil cruzeiros. Como era possível que 500 mil unidades da moeda nacional coubessem num bolsinho?
Mas nem todos fomos tão rápidos para fazer a transição entre o absurdo dinheiro antigo e o que acabava de chegar. E calhou que, por aqueles dias, batesse à minha porta um vendedor de vassouras e espanadores. Ora, por acaso eu estava precisando de um espanador o —que eu usava há anos para espanar o teclado do computador estava reduzido à última pena. Era então ou nunca. Pedi-lhe um espanador e perguntei quanto.
O vendedor hesitou, como quem tinha de fazer uma súbita avaliação, e disse: “20 reais”. Sem discutir, dei-lhe uma nota desse valor —acabara de voltar do banco— e me tornei o feliz proprietário de um robusto espanador.
Pelos anos seguintes, vivemos em grande harmonia, eu e o espanador. Ele cumpria sua função de espanar o meu teclado e eu cuidava de que ele não ficasse prematuramente careca. Envelhecemos juntos, até que o aposentei com honras. Mas algo me intrigava: ele deveria ter custado 20 reais?
Acontece que, no dinheiro antigo, 20 qualquer coisa não queria dizer nada —só pensávamos em termos de milhares. E sou ruim de contas porque passei as aulas de aritmética admirando as pernas da professora. Hoje, depois de ler as matérias, descubro que, em 1994, 20 reais valiam pelo menos 40 espanadores. Mas tudo bem —eu só precisava de um, mesmo.