por Inácio Araújo, na FSP
Shelley Duvall morava em Houston, Texas, preparava-se para o casamento, quando, numa festa que deu em homenagem ao noivo, conheceu algumas pessoas da equipe de Robert Altman, que naquele momento filmava “Voar É com os Pássaros”, de 1970.
Altman impressionou-se com ela e, de imediato, lhe pediu para fazer um teste de câmera. Ela relutou. Teria de ir a Los Angeles, ela, que nunca havia até então saído do Texas. No fim, topou, pensou que talvez fosse, de fato, uma atriz.
Altman lhe deu um dos principais papeis do filme e o resto é o que se sabe. Casou-se com Bernard Sampson, ficou quatro anos com o primeiro marido. Mas sua vida mudou: ela tornou-se uma das mais importantes atrizes da geração que transformaria Hollywood naquela década de 1970.
Seu rosto tem a particularidade de torná-la reconhecível tão logo a vemos —longo, magro, com olhos grandes e expressivos. Mas não é só isso que a torna especial. Não segundo Altman, pelo menos. Para ele, Shelley era capaz de explorar “todos os lados do pêndulo: charmosa, boba, sofisticada, patética e até mesmo bonita”.
Com efeito, trabalhando com Altman (o que fez continuamente) ou não, Shelley Duvall foi capaz de compor personagens distantes umas das outras. Com isso, chegou a ganhar um prêmio de melhor atriz em Cannes por “Três Mulheres”, de Altman, em 1977.
“Ele me oferece papéis muito bons”, comentou certa vez a atriz. “Nenhum deles foi igual. Ele tem grande confiança e mim, confiança e respeito, e ele não coloca nenhuma restrição em mim ou me intimida”.
Ou seja, o exato oposto de sua relação com Stanley Kubrick, com quem filmou “O Iluminado”, de 1980. Kubrick nunca escondeu que esperava mais de Duvall. E ela nunca escondeu que os sofrimentos a quem foi submetida pelo cineasta, durante os 13 meses de filmagem, beiravam o sadismo. “Se você quer sentir dor e chamar a isso de arte, vá em frente. Mas não comigo”, diria.
Em uma entrevista de 1981, afirmou que Kubrick a fez chorar “12 horas por dia, semanas a fio”, quando ela fazia Wendy, a mulher do enlouquecido Jack Torrance, vivido por Jack Nicholson.
Por sorte, no mesmo ano filmou “Popeye”, com Altman, uma história baseada no célebre personagem dos quadrinhos. Numa comédia musical bem injustiçada, a atriz fez um papel totalmente adequado a seu tipo, Olivia Palito, ao lado de Robin Williams. Ali pôde de certa forma por em ação o primeiro conselho que ouviu de Robert Altman: “Não se leve muito a sério”. Com efeito, não era a pessoa certa para trabalhar com Kubrick.
Depois dessa fase, em que trabalhou também com Woody Allen (“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de 1977) e Terry Gilliam (“Os Bandidos do Tempo”, 1981), sua carreira se diversificou; fez shows e filmes para TV, gravou discos e, em 1987, fundou sua própria produtora, a Think Entertainment.
Desde 1989, viveu com o músico Dan Gilroy, o companheiro que anunciou sua morte. Em 2002, quando recolheu-se, alegando questões de saúde, e voltou ao Texas, a atriz tornou-se uma espécie de mistério hollywoodiano, sobretudo depois que apareceu em um talk show falando de sua própria saúde mental debilitada.
Sua morte, no entanto, foi decorrente de diabetes, de acordo com relatos da imprensa americana. Aconteceu em Blanco, no Texas. Duvall tinha 75 anos.