7:28Minhas sessões de terapia no hipermercado

por Giovana Madalosso, na FSP

Logo trocarei todos os selos que acumulei com minha angústia por um jogo de panelas

Toda quarta à tarde é a mesma coisa. Entro no meu carro às 15h50 e dirijo duas quadras até o hipermercado do bairro. Eu poderia ir a pé mas isso não atenderia a minha necessidade. Depois de passar pela cancela, faço o contrário do que qualquer cliente faria: procuro a vaga mais distante da porta de entrada. Tiro o cinto de segurança e fico esperando pela ligação.

Tudo começou na pandemia, quando passei a fazer minhas sessões de terapia online. Depois que o isolamento social acabou, por questões geográficas, tive que continuar nesse formato. Durante um tempo, tentei fazer as sessões dentro de casa, mas às vezes era interrompida pela minha filha chorando —filha, quem está pagando para chorar agora sou eu! Ou pela diarista que interrompia minhas divagações dizendo que acabou o sabão em pó. Sem falar no meu companheiro, que eu temia estar me ouvindo com um copo grudado à parede —claro que ele não fazia isso, e é justamente por essas e outras que preciso fazer terapia.

Tentei fazer as sessões na garagem do prédio, mas o sinal oscilava muito. Fui para uma vaga de rua. Quase fui assaltada durante a sessão, tendo que arrancar o carro no meio da conversa. E assim fui avançando bairro afora, até parar no local descrito no começo desta crônica.

Na primeira sessão, despertei a desconfiança do vigia do hipermercado. Obviamente, esperava que, após estacionar, eu descesse do carro. Como ele não parava de me observar, resolvi inventar uma desculpa. Abri o vidro e menti que estava esperando pelo meu marido para fazer as compras. Depois continuei a sessão. Acho que o vigia viu quando, num determinado momento, comecei a falar mais alto, a me exaltar. Deve ter pensado que eu brigava com meu marido por ele ter me dado o cano no romântico programa de adquirir papel higiênico a dois.

A partir desse dia, nunca mais me fitou com insistência, nem me importunou. Me vendo conversar, rir e chorar dentro do carro, deve imaginar que, depois que levei aquele cano do meu marido, arrumei um amante online com quem, por motivos insondáveis, converso todas as quartas-feiras.

Livre dos olhares de desconfiança, passei a desfrutar da atmosfera de desolamento inspiradora que o local oferece. Há algo de comovente nos splashes de oferta desesperados por atenção. Nos consumidores que passam com compras massivas, como se estivessem em direção a um bunker no apocalipse. Nos carrinhos que às vezes se movimentam sozinhos, dando ao cenário um quê fantasmagórico. Sem falar naquela aura algo deprimente que, a despeito dos letreiros alegres e também por causa deles, cerca toda meca de consumo.

Ao fim da sessão, quando preciso validar o tíquete, entro para comprar alguma coisa. Já percebi que as compras dizem muito sobre a sessão que fiz. Saí com o carrinho abarrotado no dia que descobri que deveria cuidar mais de mim mesma, me dar mais prazeres. Comprei uma caixa de lenços —que já fui abrindo antes de chegar ao caixa— quando percebi o quanto ainda tenho dificuldade para amar. Comprei uma garrafa de vinho no dia em que cogitamos minha possível alta, depois de anos de análise.

A alta acabou não acontecendo. Já virei cliente cadastrada no programa fidelidade. E logo trocarei todos os selos que acumulei com minha angústia por um jogo de panelas antiaderentes.

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