por Carlos Castelo
Por onde dirigirá José Alberto, o popular J.A.?
J.A. era um sujeito magrelo, alto como um bambu, que expelia mais fumo pela boca do que o vulcão Krakatoa em dia de erupção. Eram maços e maços de Lincoln por dia. Os mais íntimos o chamavam de Zé Bagaço, por ter pouco mais de 30 anos e aparentar uns 50.
Nos tempos mais prósperos de minha família, quando eu devia contar com uns 15 anos, ele motoristou o Opala de minha mãe. Levava-me à escola, fazia compras de supermercado, e mantinha a viatura limpa e abastecida.
Mas não ficou só nisso. Na verdade, J.A. foi uma espécie de guru ou eminência parda. No longo trajeto do City Butantã até o colégio na Vila Mariana, aprendi mais sobre a vida com aquele indivíduo do que com todos os livros que havia consumido.
Dentre tantas coisas, J.A. me ensinou não só a dirigir automóveis, mas todos os macetes para realizar ultrapassagens arriscadas, fechar carros de desafetos e despistar tais ações dos marronzinhos do DSV. As lições aconteciam, pelas amplas avenidas da Universidade de São Paulo, nas tardes em que eu decidia cabular aulas.
Em períodos semelhantes a esses (e não foram poucos), J.A. me apresentava outras facetas da existência que, na qualidade de almofadinha de classe média alta paulistana, jamais poderia acessar. Foi assim com as prostitutas do Jóquei Clube, as bocas de fumo, as sinucas das favelas, os terreiros, os cinemas pornô da rua Aurora.
Como se não bastasse, conseguiu me incluir nos quadros de um time juvenil do bairro do Campo Belo chamado Caramuru Futebol Clube. O detalhe curioso é que o elenco treinava num terreno de chão batido, encostado à cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas. Não poucas vezes, a pelota, ao ser chutada em direção ao gol, era impedida de entrar pelo deslocamento de ar dos reatores de um Electra decolando.
Nada abalava J.A., que vivia com um sorriso 2 x 2 nos lábios. Ao sairmos para algum canto no Opalão branco, minha mãe logo vinha lhe rogando que redobrasse a atenção comigo e que nunca corresse demais.
– A senhora pode deixar, dona, tando comigo, tá com Deus! – repetia, se persignando.
De certo modo, a convivência com J.A. era um momento divino. Algo completamente diverso do núcleo que eu coabitava com os parentes. Havia risco, adrenalina, passagem por ambientes impensáveis. E, acima de tudo, um tipo de alegria bem diferente do tímido enlevo da nossa casa. Era uma felicidade entusiasmada a dele; e a gargalhada, um trovão.
Certa tarde, J.A. não apareceu para me levar ao colégio. O tio foi no lugar em seu Chevette uva. No meio do caminho, perguntei o porquê daquela ausência. Titio se fazia de desentendido e não soltava nada. Depois de muita insistência, abriu o verbo:
«Foi negócio de dívida. Acharam, agora de manhã, o J.A. pendurado numa corda na cozinha da casa dele.»
É como diz o outro: José Alberto foi, mas ficou.
(Publicado no O Dia)