8:11MACHADO, 2024

por Carlos Castelo 

Com a participação de Pai Divaldo de Oxalá, Janete Sensitiva e Dona Odete da Maré, após horas de sessões espirituais e leituras de borra de café, por fim, obtivemos sucesso. Conseguimos entrevistar o bruxo do Cosme Velho, Joaquim Maria Machado de Assis, na redação do Rascunho. Trajado em seu indefectível terno escuro e de pince-nez, o autor fluminense, que recentemente se tornou celebridade nos Estados Unidos, usou a pena da galhofa e a tinta da melancolia para nos pintar um quadro de 2024. 

Pergunta: Um prazer tê-lo conosco em 2024, senhor Joaquim Maria. E que tal essa experiência de viajar no tempo? 

Machado de Assis: Viajar no tempo vem sendo uma prática inusitada, diria até rocambolesca. O que mais me impressiona são essas máquinas de bolso, os tais celulares, e como as pessoas parecem conversar mais com elas do que entre si. 

P: Falando em conexão, como o senhor avalia a recepção das suas obras nos dias de hoje? Ainda acha que suas críticas à sociedade seguem atuais? 

M de A: Devo confessar, é quase como se eu tivesse escrito ontem… A hipocrisia, a vaidade e as peculiaridades humanas são eternas. Talvez apenas tenham mudado de roupa e de palco. Vejo que a essência humana permanece a mesma, e por isso meus livros ainda são best-sellers. 

P: Falando em roupa, o senhor viu como a moda mudou? O que acha das vestimentas modernas? 

M de A: Estou perplexo. Vi jovens vestindo o que parece ser uma combinação de pijamas e trajes de astronauta. E essas calças rasgadas que custam uma fortuna? Parece que a moda decidiu abraçar o absurdo de vez. No meu tempo, rasgado era consertado, não vendido a peso de ouro. 

P: E sobre a tecnologia? O senhor já experimentou usar um smartphone? 

M de A: Experimentei, sim, mas confesso que foi um desastre. Tentei escrever um soneto no bloco de notas de um iPhone e, por algum motivo, o aparelho transformava quase todas minhas palavras em um tal de “emoji”. Acho que prefiro minha velha pena e tinta. Pelo menos elas não tentam alterar meu texto.

P: Senhor Machado, afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? 

M de A: Ah, a eterna pergunta! Posso dizer é que Bentinho, com toda aquela insegurança, bem… ele talvez precisasse de umas sessões de psicanálise para resolver suas dúvidas. Ou tomar esse emplastro do século XXI, o Rivotril. Mas deixemos essa questão no ar. Afinal, a dúvida é o que torna a narrativa sedutora, não é?

P: Nos dias de hoje, quem o senhor vê como seu herdeiro literário no Brasil? 

M de A: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

P: Ressente-se, de alguma maneira, por não ter recebido um prêmio Jabuti?

M de A: Em absoluto, a glória é a vaidade dos mortos. E, como podem ver, estou vivíssimo.

P: Como analisa que, após 143 anos, suas “Memórias Póstumas de Brás Cubas” foram finalmente descobertas e aclamadas nos Estados Unidos? Sente-se um vencedor? 

M de A: É uma sensação curiosa. Quem diria que precisariam de quase um século e meio para perceberem que até um defunto pode ter algo interessante a dizer? Talvez os norte-americanos estivessem ocupados demais, como escreveu esse menino Caetano Veloso, com seus podres poderes, para notarem minha modesta obra. Mas, de todo modo: ao vencedor, sempre asbatatas.

P: Para finalizar, o que o senhor gostaria de dizer aos leitores de 2024? 

M de A: Apesar das mudanças tecnológicas e sociais, não se esqueçam que a literatura é um espelho da alma. E a alma humana é atemporal. E, hélas, leiam mais Machado de Assis no Brasil, não só nos Estados Unidos da América.

(Publicado no Rascunho)

 

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