7:26O silêncio do orador

por Carlos Castelo

Dizem que o bom das viagens são os sobressaltos. Sem eles, de fato, uma crônica como esta nem teria por que ser escrita.

Quando eu estava com uns 17 anos, viajei com a família naquelas famosas excursões “Europa Maravilhosa de Ônibus”. A essência do deslocamento revelava o espírito prático do meu pai. Para ele, tínhamos 30 dias para visitar um determinado número de cidades, e suas atrações turísticas. Então, deveríamos executar o cronograma da maneira mais rápida e eficiente possível.

Num dia normal em Paris, por exemplo, teríamos que acordar às seis da manhã, comer croissants, entrar no ônibus, ver a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a Notre Dame, andar pelo maior número de pontes sobre o Sena, navegar de bateau mouche, almoçar num bistrô, passar a tarde no Museu do Louvre (ver rapidamente a Mona Lisa) e jantar no La Coupole.

É natural que, antes de sairmos de Lisboa, já estávamos num estado físico deplorável. Em total oposição aos animadíssimos colegas de assentos, a maioria deles dos estados de Pernambuco e Alagoas.

Como eram todos conhecidos, a bagunça no interior do busão era notável. Porém, o que acabou ficando na minha memória foi um senhor, dos seus 75 anos, o ex-senador Medeiros.

Nos percursos mais longos, ele se levantava, ia até à frente do carro onde havia um microfone, e discursava num estilo entre Cícero e Odorico Paraguaçu.

Inclusive, foi na Alemanha, cruzando a Floresta Negra, graças a ele, que se deu o grande sobressalto de nosso périplo. O senador se postou na dianteira e iniciou uma fala mais ou menos assim:

«Imaginem, meus amigos, a Floresta Negra, com seus pinheiros altos e sombrios, onde cada árvore parece guardar um segredo.

Agora, pintem essa floresta com as cores vibrantes do Nordeste: o verde escuro se torna o verde dos coqueiros, o silêncio é substituído pelo forró que ecoa entre os galhos. As trilhas da Floresta Negra, antes retas e previsíveis, agora serpenteiam como as dunas de areia, e os lobos, ah, os lobos trocam uivos por ‘oxentes’ e ‘eitas’. E as bruxas da Floresta Negra? Transformam-se em rainhas das matas, que em vez de poções, oferecem um bom prato de baião-de-dois. Porque, no fim, tanto na Floresta Negra quanto no Nordeste, o que importa não são as diferenças, mas a capacidade de encantar e surpreender! E digo mais…» 

Só que não disse mais nada. Foi ficando cada vez mais pálido, transparente. Em seguida, deu algumas pancadinhas na pança, e ordenou ao motorista, em forte sotaque alagoano:

«Meu bichinho, stop the bus, I need to poop!»

Já foi descendo as escadas, baixando as calças, e entrando no pinheiral para se aliviar.

Permaneceu agachado, em evacuação ininterrupta, por uns bons dez minutos. Das janelinhas, todos gritavam frases nada animadoras para um ex-senador da República.

Para completar, chega o Porsche da Bundespolizei. E os tiras vão até o político naquele momento delicadíssimo. O resultado da obradeira, em local público, foi uma multa de muitos marcos alemães, fora o incidente que acabou se tornando chacota internacional.

A partir dali, não se ouviu mais palavra do orador. Sua voz tinha ficado na Floresta Negra.

(Publicado no O Dia)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.