por Carlos Castelo
Seu Heleno trabalhava como técnico numa instaladora de aparelhos de som, a JC Sound System, na Vila Borges. Há mais de 30 anos atuava na firma e era respeitado por seu conhecimento, tendo participação em cursos de aperfeiçoamento na Tojo, Roadstare Kenwood.
Numa sexta-feira, ganhou de um cliente abonado, proprietário de um Porsche Cayenne, o vale especial. Podia usá-lo em sua churrascaria rodízio num prazo de 15 dias.
A última vez que estivera num espeto corrido fora numa convenção da AC Delco. No tempo em que símbolo de status era ter um Santana Quantum.
É claro que não esperou sequer um dia para usar o brinde. No sábado mesmo já iniciou a operação churras na imponente Querência, numa das transversais da rodovia Raposo Tavares.
A casa era rústica, todos se vestiam de modo tradicional.
Seu Heleno escolheu estrategicamente uma mesa ao lado do ciclópico bufê de saladas. Só ali passou 70 minutos experimentando de sushi a queijos diversos e ainda frios, camarões empanados, pastéis e feijoada.
Terminado o prólogo mudou a plaquinha do vermelho para o verde para que trouxessem as carnes.
Foi comendo o que dispunham no prato: maminha, picanha, costela, cupim casqueirado, bife ancho, fraldinha, paleta de cordeiro, alcatra, linguiça apimentada e entretantos. Tudo acompanhado de arroz carreteiro e farinha branca.
Como o vale incluía open bar, ordenou um baldão com gelo e acomodou nele meia dúzia de garrafas de cerveja de garrafa. Cada garfada, uma golada de brahma.
Passadas duas horas e meia, um dos garçons comentou com o gerente que estava preocupado com a performance daquele freguês.
«Já tá dando prejuízo pra casa» – disse o gerente.
O garçom emendou:
«Não, estou achando que o sujeito vai passar é mal…»
Ficaram os dois observando seu Heleno chupar o tutano de um osso de mocotó. Súbito, o instalador deu para ficar rubro e a se tremer, feito um jipe Toyota em ponto-morto.
Uma zaga de garçons o acudiu. Levaram o freguês para o reservado.
Os frequentadores se entreolhavam, aturdidos. Minutos após, se ouviu um arroto que, se inscrito no Guinness Book, teria pegado primeiro lugar, com honra ao mérito. Houve informes de que o eco da eructação teria sido ouvido no longínquo bairro do Ipiranga.
O azedume e a pestilência, vindas da bofada, foram tão violentas que uma idosa teve de passar por um desfibrilador. Um bombeiro, à paisana, que almoçava no Querência, orientou as pessoas a se deitarem de borco e procurarem respirar calma e pausadamente.
Foi então que, para surpresa geral, seu Heleno saiu do banheiro fresco e corado. Novinho em folha, sentou-se à mesa, e perguntou ao gerente que viera ver se tudo transcorria bem.
« Tem banana split de sobremesa?»
(Publicado no Estadão)