6:39As chuvas que vêm de cima e as trovoadas que vêm por baixo

por Mauricio Gomm Santos *

As imagens que vêm do Rio Grande do Sul são muito fortes e profundas. A dimensão da
tragédia é incomensurável. Não se trata de um, dois, tampouco dez municípios. São centenas que se encontram debaixo d’água, inclusive na capital que carrega o nome de Porto Alegre. Os gaúchos são mesmo alegres, divertidos e esbanjam gírias com a sabedoria e criatividade que lhes é peculiar. Aliás, certa vez, recebi do advogado e dileto amigo, André Jobim Azevedo, o livro “Dicionário Gaudério”, de autoria coletiva e cheio de expressões idiomáticas com muito humor. Mas, este está machucado. Quiseram os fenômenos da natureza, criar uma “sinergia” devastadoramente ampla castigando os gaúchos de forma jamais vista. Um furacão Katrina multiplicado por 10 ou mais. Apesar de estar participando de correntes de doações de diversas formas, inclusive internacional, é difícil imaginar a extensão de tamanha desolação de tanta gente ao mesmo tempo. Como lidar com prioridades quando, de repente, tudo é prioridade? A primeira delas, por certo, é de salvar vidas o máximo possível. Em paralelo, o retorno, oxalá breve em todas as regiões afetadas, dos serviços básicos de estrutura viária, luz e água; esta, paradoxalmente em falta, embora visível por todos os lados. E ainda lidar com os incalculáveis danos financeiros (e emocionais) nas residências, comércio, indústria, agricultura e pecuária. E para complicar, dentre as prioridades, ainda se vê a necessidade de deslocamento de efetivo policial para tentar dar mínima conta dos crimes de ocasião, vitimando, ainda mais, aqueles que tiveram de sair de suas casas para proteger o bem maior. Uma equação de abissal dificuldade de processar para quem já está na lona. O debate sobre o porquê do Estado, há décadas, não ter se preparado minimamente melhor; do porquê não ter colocado a engenharia para enfrentar as vazões dos rios que alimentam o Guaíba; do porquê não ter sido implementadas obras de melhor e maior contenção de águas em Porto Alegre e de outros tantos municípios e do porquê da saída da Lagoa dos Patos ao mar parecer tão estreita é legítimo e precisa ser enfrentado. Aliás, são vários os questionamentos às autoridades de ontem, hoje e do amanhã.

Quando a água baixar e a comoção nacional passar, ainda restará um longo e difícil caminho
com enormes desafios diários em inúmeras frentes; muitos deles, enfrentados por voluntários, cujas famílias também perderam muito ou tudo. O Brasil continuará a ver imagens de bravura, insistência, resiliência e impotência que muito comovem. E aqui surge outro problema: o das chuvas nas redes sociais com suas trovoadas ácidas, diretas e pontiagudas contra esta ou aquela autoridade e/ou contra esta ou aquela instituição. Sabemos todos que existem depoimentos necessários, apropriados e recomendáveis nas redes sociais, sobretudo em um momento como esse. Mas, da mesma forma que aparecem os saqueadores físicos, infelizmente aparecem os oportunistas digitais. E na fragilidade coletiva, sabem estes que quanto mais ódio e raiva produzem, mais revolta geram e mais virais ficam os vídeos. Não há Estado que consiga dar conta da extensão e profundidade de tanta destruição no tempo almejado e legitimamente necessitado por todos. Mas, como se não bastassem as chuvas que vêm de cima, vêm, por baixo, as trovoadas das redes sociais, nutridas de aparente logicidade, alerta e boa intenção, mas que podem esconder outros objetivos. Como uma fênix, o povo gaúcho vai renascer, mas precisará de muito tempo e auxílio. E nesta espinhosa jornada, devemos refletir se, ao recebermos e compartilharmos trovoadas digitais com bombásticas “revelações”, acompanhadas do recado de que “precisam ser compartilhadas antes que sejam bloqueadas”, se estaremos mesmo ajudando (pode ser) ou contribuindo para outra indesejável inundação, alimentando mais dor e revolta no lugar de alívio, apoio e energia.

*Mauricio Gomm Santos é advogado

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