13:56Nas entranhas do monstro

por José Maria Correia

Lutar nas entranhas do monstro é enfrentar de dentro a discriminação institucional.

Uma corporação antiga, como as outras, onde para os negros só havia espaço entre os subalternos.

E também não havia na, década de 70 , uma única delegada ou mulher ocupando chefias,

Essa foi a instituição em que ingressei por concurso em 1972.

E neste mais de meio século vi transformar e evoluir no quebrar de paradigmas.

As correntes de aprisionamentos eram culturais, mas muito sólidas.

E as convenções as mais retrogradas.

Mas foram os movimentos trazidos pelo sangue novo que produziram essas transformações.

Aqui repercutiram os protestos dos irmãos negros que ressoavam em todo o mundo, como o do ídolo do esporte e campeão mundial de boxe Cassius Clay , o Muhammad Ali.

E os assassinatos do reverendo Martin Luther King e de Malcom X.

Os protestos da geração de 68 e as barricadas em Paris que abalaram os pilares desses anacronismos.

E também a lenta agonia do regime militar que sufocava a liberdade de expressão, proibia sindicatos e exercia a censura nos cinemas, na literatura, no teatro e na imprensa.

De minha muita humilde parte tive meus exemplos e referências.

Aqui em casa , a mãe mesmo.

Professora do estado lutando pela vida, desde adolescente na remota Quatiguá.

O avô indigenista e antropólogo na proteção dos indígenas e contraindo todas as doenças tropicais nas matas e nas florestas.

E a esposa e companheira de uma vida , também professora e lutando com as dificuldades dos salários baixos e das escolas de periferia sem estrutura.

Intelectualmente foi a Biblioteca Pública que me apresentou a filósofa Simone de Beauvoir, onde aprendi sobre a igualdade de gênero em “ O Segundo Sexo “, a mais atemporal das obras sobre a condição feminina em um mundo construído para homens e pelos homens.

Não só ela , mas também Clara Campoamor, Frida Kahlo, Anita Garibaldi, Pagu, Angela Davis . Françoise Sagan, Dolores Ibarruri , Rosa de Luxemburgo e Olga Benário.

Mulheres que desde Chiquinha Gonzaga e antes dela lutaram pelo sufrágio universal , pelo fim do fascismo e por uma visão holística da sociedade e do universo feminino com igualdade.

E ainda na geração de 68 , a mais contestadora do estabilishment conservador e reacionário, os palcos de Bibi Ferreira , Leila Diniz, Domingos de Oliveira, Dina Sfat, Beth Mendes, Ítala Nandi, Clarice Lispector, Gal Costa, Maria Bethânia , Rita Lee e toda uma legião de artistas , escritoras , compositoras e intérpretes que fizeram soar as trombetas de Jericó nas derrubadas das muralhas.

E neste Dia Internacional das Mulheres é que vejo o quanto já avançamos em termos de participação institucional e quanto ainda teremos que avançar até que tenhamos mulheres nas chefias das instituições e das representações classistas.

Quando apresentamos a extraordinário colega Maritza como candidata para vice-presidente da nossa Adepol na última eleição, demos um passo a mais.

E sabemos o resultado real das urnas como reconhecimento.

Mas ainda é preciso avançarmos numericamente nas representações em Conselhos Superiores e no próprio comando da instituição, DG e DGA .

Estabelecendo cotas se for preciso , até que as chefias se tornem proporcionais entre gêneros como imperativo.

E como não lembrar desse tesouro que temos entre nós , a veterana colega Tereza Cabistani, mulher que enfrentou toda a carga da violência da discriminação e do preconceito.

E lutou com a galhardia e o amor próprio dos irmãos e irmãs afrodescendentes , combatendo sempre o bom combater e guardando sua fé.

Sem nunca , em hipótese alguma, ter chamado para sí todas as homenagens de que é merecedora e credora de seus colegas.

Neste nosso imenso país , um verdadeiro continente de desigualdades e preconceitos a luta se inicia quando o dia ainda é noite e as mães despertam de um sono indormido para achar um lugar no mundo para os filhos da pobreza , da desigualdade e da injustiça.

E a sociedade dorme distraída em seu sono conciliador das desigualdades

Para as mulheres, deixo neste e em todos os dias minha curva solene de reverência e absoluto respeito , admiração e amor fraternal.

2 ideias sobre “Nas entranhas do monstro

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