por Annie Ernaux*
Escrever a vida, não a minha vida. Qual é a diferença? […] A diferença é considerar o que aconteceu comigo, o que acontece comigo, não algo único, incidentalmente vergonhoso ou indizível, e sim um material a ser observado a fim de entender, de revelar uma verdade mais geral. Desse ponto de vista, não existe o que é chamado de ‘íntimo’, há apenas coisas que são vividas de forma singular, […] e a literatura consiste em escrever essas coisas pessoais de modo impessoal. […] Só assim a literatura ‘rompe com as solidões’. Só assim as experiências da vergonha, da paixão amorosa, do ciúme, do tempo que passa, dos entes queridos que morrem, todas essas coisas da vida, podem ser compartilhadas.
*Do livro ‘A escrita como faca’