por Carlos Castelo
Eu, a Crônica de Humor, tinha um único desejo: ser a joia da coroa da literatura do riso. Superar outros gêneros breves que lançam mão da mofa e da ironia, como o conto, as miniestórias, o haicai. Minhas primeiras palavras já nasceram da expectativa de arrancar gargalhadas, de ser citada em rodas literárias e compartilhada entre milhares de leitores.
Mas, com o passar do tempo, uma sensação desconfortável de inadequação e insegurança começou a me incomodar. Parece que tudo em que eu tocava virava artificialismo. Julguei até que morreria, como alguns chegaram a anunciar.
Decidi, então, partir de premissas mais cotidianas em minhas linhas. Algo como: “Você já notou que quanto mais você precisa dormir, mais interessante fica a internet?” Um caminho promissor, supus. Mas, ao invés de risadas, o que se seguiu foi uma indiferença constrangedora. Nenhum comentário sequer, nem mesmo o dos haters de plantão.
Em outro momento, resolvi usar uma nova estratégia a fim de cativar o público de hoje, cada vez mais infantilizado. Foi como cortar a própria carne. Porém, para sobreviver, tive de lançar mão de narrativas infames como esta: “O que o livro de matemática disse para o livro de história? Estou cheio de problemas”. E outras bobagens assim. A reação foi uma fila enorme de leitores entediados, bocejando de decepção.
Tais tentativas, cada uma falhando de uma maneira própria, me levaram à uma crise de identidade. Eu, que deveria ser “a” Crônica Humorística, estava na encruzilhada do existencialismo, questionando minha própria essência.
Não, eu não honrava mais os textos de um Luis Fernando Verissimo, não passava mais nem perto de qualquer produção de Stanislaw, Sabino, Ivan Lessa. O que dizer de Robert Benchley ou S.J. Perelman? Estava a léguas e léguas de nomes como os deles.
Sabem o que eu devia fazer na vida? – pensei. Virar Obituário. Sem graça como andava, de fato, seria a minha única possibilidade. E virei.
No primeiro dia, me estranhei naquela posição dentro de uma redação de jornal. Porém, logo me passaram o primeiro job: criar uma nota póstuma para um certo Victor da Silva. Sua característica mais marcante era jogar xadrez, o tempo todo, contra o próprio Victor Silva. Batuquei este parágrafo que saiu no dia seguinte:
“Descanse em paz, Victor da Silva, que nunca perdeu uma partida de xadrez contra si mesmo. Acabou vítima de um xeque-mate inesperado da vida e agora joga contra São Pedro”.
Não deu certo. Voltei atrás. E o pior: constatei que era humorista para criar textos melancólicos, e taciturna para produzir material de humor.
Em meio à crise pessoal, uma epifania surgiu. Ao invés de tentar ser algo que não era, eu poderia simplesmente ser… eu. A Crônica de Humor que falha em ser engraçada achando graça da própria incapacidade de provocar riso. Aceitar minha natureza não como um erro, mas como singularidade.
Então, comecei a rir de mim mesma. E me tornei esta Crônica de Humor sobre uma Crônica de Humor tentando ser cômica, e falhando miseravelmente.
Como lição aprendi algo fundamental: não há nada que faça um texto de humor ser mais competente do que a sua incompetência.
(Publicado no Rascunho)