por Mario Sergio Conti, na FSP
Lá estão Guilherme Boulos e Tabata Amaral com Marta e Datena, oportunistas de papel passado e firma reconhecida
Existe algo mais aborrecido que acompanhar a baixa política? Sim. Ir ao dentista, achar vaga para o carro num shopping center, pegar estrada em véspera de feriado, assistir a um filme de Danilo Gentili.
Mas a política vicia. Quando percebe, a leitora obtura cáries todas as tardes. Não sabe onde deixou o carro e erra pelo estacionamento. Achou emprego fora da cidade. Vê “Podia ser Pior” em looping. Sabe tudo sobre o PTB do interior do Acre. Está a um passo da cracolândia, coitada.
Em que pese o empenho dos que entram na política com intenções magníficas, ela é troncha na situação e na oposição. Eis aí, por exemplo, o bate-coxa de Guilherme Boulos, de centro esquerda, e Tabata Amaral, de centro direita. Querem o lugar do Zé do Caixão da prefeitura paulistana.
Lá estão eles, então, no maior lero-lero com Marta e Datena, oportunistas de papel passado e firma reconhecida em cartório. Acham que São Paulo passará da água para o vinho se tiverem esses sommeliers como vice-alcaides. Tim-tim, um brinde às próximas eleições!
É em benefício de eleições futuras que políticos da centro esquerda de direita cospem no passado e pisoteiam o presente. Prometem medidas urgentes e as adiam para o dia de são Nunca. Enquanto as mudanças ficam para as calendas, espertalhões papam a “Secretaria de Negócios Sinistros do Município”.
Quem esnoba o toma-lá-dácá, que os profissionais do ramo chamam de “realismo”, é logo lembrado do dito de Platão: “O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”. Nem tanto. A política é um meio de ganhar a vida, uma carreira.
Há, ainda, as diferenças entre alta e baixa política. A primeira ocorre se uma crise supura e as lesmas têm de sair da letargia. Assim foi quando se teve de dar um basta à Besta, e se deteve o massacre que Bolsonaro urdia. Viva. Mas o preço que se paga hoje é o retorno ao ramerrame político.
O nível melhora quando sacerdotes da política escrevem sobre sua trajetória. “Minha Formação”, de Joaquim Nabuco, é um clássico de nossas letras. E os quatro grossos volumes dos “Diários da Presidência”, de Fernando Henrique, têm muitas revelações.
Na França, livros de políticos abarrotam bibliotecas. Nicolas Sarkozy lançou cinco sobre seus cinco anos no poder. Até François Hollande, de mediocridade pastosa, perpetrou dois, sabe-se lá como. Aliás, sabe-se: com “ghost writer”, que eles chamam de “nègre”.
Na regra, não são politicões que fazem bons livros, e sim politiqueiros, que espiam os grandes. Ou homens públicos cujo estilo supera a politicagem; como Saint-Simon, que contou como agia à corte de Luiz 14 e compôs um painel soberbo da nobreza francesa, “Memórias”.
Roland Dumas é um caso à parte. Tem 101 anos e está enfronhado na política desde a ocupação nazista, que fuzilou seu pai. Lutou na Resistência, foi deputado, ministro e presidente da Corte Constitucional, o STF francês. Advogado, defendeu Picasso e Kadafi, Chagall e Lacan.
Sobretudo, foi íntimo de Mitterand, presidente francês por 14 anos. Seu livro “Coups et Blessures” (sem tradução) tem o subtítulo “50 anos de segredos compartilhados com François Mitterrand”. É verdade, mas as intimidades e os segredos lhe eram concedidos a conta-gotas.
O próprio Dumas conta ter dito a Mitterrand que, como eram amigos havia décadas, sabia tudo a seu respeito. O presidente rebateu na bucha que ele sabia 15% da sua vida, se tanto. Ainda assim, são impagáveis os retratos que faz de Mitterrand e das mesuras e firulas da política francesa.
Sem papas na língua, conta que Mitterrand nunca foi de esquerda; que era um mulherengo contumaz; que passou sem dramas de colaborador do regime de Vichy para resistente, e depois chefe do Partido Socialista; que foi bígamo durante decênios; que a corrupção grassa no poder político.
O vigor do relato está na candura, na mixórdia de pompa e escracho, de fofoca e análise, de alta e baixa política. Candura que aplica contra si mesmo ao revelar que tinha mulher, amante oficial e uma segunda amante. “Isso pode parecer excessivo, mas o exemplo vinha de cima”, diz Dumas, apontando para Mitterrand.
Essa terceira amante, executiva da Elf, o gigante do petróleo, o corrompeu com um par de sapatos Berluti, no valor de € 1.600, e uma coleção de estatuetas africanas. Na cara dura, Dumas diz que era rico e foi imprudente. E xinga a amante de “p… da República”. Gente fina é outra coisa.
Esse realismo faz falta à política nacional.