Lionel Messi ganhou a oitava Bola de Ouro como o melhor do mundo. O texto abaixo foi publicado no dia 17 de abril de 2010:
Messi não é Maradona. Messi não é argentino. Messi é do planeta. Que é bola. E bola gosta de criança. Messi é criança. Que nasceu raquítica, cresceu raquítica e se transformou no melhor jogador do mundo desde que os que amam o futebol colocaram os olhos sobre ele e sua conversa com ela, a redonda, a pelota. É assim para quem acredita num poder superior e no amor. Porque os que amam se deixam levar e, de repente, descobrem motivos para se entregar mais. Messi nunca jogou em time argentino, porque desprezado por nascer e crescer magrinho. O pai, além do laço eterno, amava o futebol e sabia que tinha como herdeiro um pequeno gênio. Isso porque sempre o viu conversando com ela, tratando-a com o carinho de alguém que nasceu com o dom, a missão de transformar aquele objeto esférico no motivo de deslumbramento mundial. Por isso, ele, o pai, pobre, atravessou mares e o apresentou na Espanha, no Barcelona, para alguém que não olhou o menino franzino, as pernas finas, costelas à mostra, mas sentiu o que todos passaríamos a sentir depois, quando ele tocou o pé esquerdo, revestido de chuteira, nela, a bola. E fez-se a luz – e ele sonhou que estava diante de alguém que vestiria para sempre a camisa sagrada de um time que por si só é mito e onde desfilou a maioria dos maiores jogadores do mundo. Quem sabe tenha pensado, ao sugerir contrato imediato, poder ser o responsável por finalmente ver, um gênio defendendo o Barcelona, como Garrincha e Maradona (Pelé fica de fora, porque Pelé é Deus)? Outro dia alguém falou que o menino, com cara de menino, agora não tão franzino, mas ainda um piazinho no meio de brutamontes a provar que gigante é ele com a bola sempre a seus pés, outro dia alguém disse que o ponta de lança decidido parece jogador de videogame. Errado. Messi não tem nada a ver com isso. Lionel Andrés Messi, aos 23 anos (Rosário, 24 de junho de 1987) tem a ver com força estranha, essa mesmo que faz a gente nascer torcedor de um time que, às vezes, só descobre isso anos depois, adulto, longe de onde apareceu na Terra. Messi tem a ver com a bola – e a bola só obedece ordens dos escolhidos. Ele, Messi, é capaz de fazer revelações como esta da foto acima. Momento congelado de uma comemoração de gol, pois ele faz muitos, de todas as formas, sempre na busca obstinada de quem parece receber a carga do anseio não só da torcida do Barcelona, mas da Espanha, da Europa, do Mundo todo. Na revista CartaCapital desta semana o garoto apareceu na última página, na seção “Retratos Capitais”, em flagrante de Daniel Olchoa de Olza, da Associated Press, com o punho direito levantado e cerrado, cabelos negros mostrando que estava correndo para extravasar a alegria, boca aberta num sorriso de êxtase. E os olhos… os olhos negros mostrando, pela primeira vez para este abduzido aqui, que é vesgo, revelação confirmada no retrato que ilustra esta singela homenagem. E veio Hermeto Pascoal na cabeça, outro gênio, mas da música, que um dia, depois de três horas de conversa, tirou os óculos e estavam lá, os dois olhinhos miúdos, hipersensíveis à luz, por ele ser albino, as duas pequenas esferas quase juntas, cada uma no canto interno dos olhos. Num texto para a Folha de Londrina escreei que um olhava para o outro e eles olhavam para dentro. Messi não chega a tanto, mas ele também olha para a alma. Reparem que até o brilho dos seus olhos é diferente. Meu irmão Ricardo Silva, que mora perto de onde nasceu Hermeto, em Alagoas, disse, bem humorado, que é por isso que os marcadores não conseguem segurar Messi. “Os marcadores nunca sabem para onde ele vai. Enquanto tentam adivinhar, ele sai de banda!”. Também isso, mas esse sinal da natureza comprova que ele também olha para a alma e para a bola, ao mesmo tempo. É uma ligação infernal para quem tem a missão impossível de tentar pará-lo ou adivinhar que raio de espaço ele enxerga para o passe magistral ou por onde enfiar a bola que vai beijar a rede. E ela, redonda, sabe disso – e se deixa tocar e obedece o resultado que vem no contato do pé, numa fração não mensurável de tempo. Nilton Santos disse um dia que conversava com a bola sempre, para ela jamais traí-lo – coisa que nunca aconteceu mesmo ao mestre do Botafogo e da Seleção Brasileira. A conversa de Messi é dentro de campo, durante a batalha – e nós só temos de agradecer, porque ele não é Maradona, não é argentino – é do nosso planeta bola.