8:11Cidades que me visitaram: Miranda-MS

por Carlos Castelo 

Divorciado logo pensa em viajar. É uma forma de escapar às desagradáveis questões referentes à separação. Convenhamos: pedir uma mão em casamento é dar a mão à palmatória, mas a repentina falta dele também causa estragos.

Foi com tal pensamento que, em 1997, decidi levar o primogênito e um afilhado, à Pousada Caiman, em Miranda – Mato Grosso do Sul. O filho contava com 11 anos, o afilhado com 20.

Pegamos um voo em São Paulo até Campo Grande e, de lá, ônibus até os recônditos mais longínquos do Pantanal do Rio Negro. Foram quatro horas, pela BR-262, passando por Terenos, Pedro Celestino, Cachoeirão, Aquidauana, Taunay, Gravi, Miranda e Cachoeirinha.

A pousada, à época, abrigava um sem-número de estrangeiros, ávidos por conhecer a exuberante fauna e flora do local. Naquela ocasião, calhou de o casarão estar repleto de turistas portugueses. Fizemos logo amizade com o senhor Norberto Carlos, um simpático habitante da Ilha da Madeira. Nunca o esqueci por uma particularidade: o gajo fumava mais do que chaminé de Cubatão em dia útil.

Fizemos boa parte dos passeios em sua companhia e a da esposa que, não me recordo o nome, mas devia se chamar Maria.

Na manhã em que fomos conhecer os ninhos de tuiuiú, nos quedamos todos juntos, admirando a imponência da ave. Seu Norberto Carlos não tomou parte daquela roda, somente dona Maria. Achei inclusive que o homem estaria tirando água do joelho em alguma touceira de mato.

Mas não estava. Quem descobriu a terrível verdade foi nosso rústico guia, o adolescente Adeilton. Foi ele quem deu o alarme de incêndio no ecossistema, gritando:

– Fogooooo! O português deixou cair a bituca, acodeeee nós!

Era temporada de seca. Não fosse a rapidez com que Adeilton descobriu o foco de chamas, e as dizimou a golpes de facão, teríamos uma catástrofe consumada.

Passado o susto, mais tarde nos juntamos aos hóspedes para o jantar. Seu Norberto Carlos bateu com o garfo na taça e declarou, a expressão cansada e melancólica:

– Quasi acavei u pêis d’us sinhores cu’uma vituca di cigarro…. P’rdão! U binho i a surbeja são p’ur mi’a conta nesse jantaire.

Houve aplausos gerais. Dona Maria aduziu:

– Como hoje é anibursário d’u nosso p’queno hirói, o Adeilton, tamvém mandamos preparaire um volo e belas p’á el apagaire.

Mais palmas e gritinhos. Adeilton não reagia, mantinha os modos duros de rancheiro mirandense. Olhava fixamente para as velinhas, mascando grandes nacos de fumo, enquanto o grupo cantava “parabéns a você”. Quando as soprou, ficou imóvel por alguns segundos, sem saber o que fazer com as mãos. Dona Maria o encorajou:

– Bamos, Adeilton, parte o volo i faiz u disejo!

Adeilton obedeceu. Puxou o facão da bainha, meteu com toda força no tabuleiro e arrebentou-o inteiro. Farelos, confeitos e chantilly voaram por todo o ambiente.

Durante semanas nem me lembrei que havia me divorciado.

(Publicado no Estadão)

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