por Conrado Hübner Mendes
Perdeu-se a linha entre o apropriado e o inapropriado nas profissões jurídicas
Apertem os cintos, a regra sumiu. Também o decoro, a discrição, a impessoalidade. Não me refiro às mesas de negociação da política partidária, onde a pessoalidade é assumida, legítima e pressuposta. Quando ocorre nos gabinetes da Justiça, a lei vira verniz de fachada numa construção sem andaimes. Lá, política como ela é. Aqui, prática jurídica como não pode ser. Ou política no lugar errado.
No regime da legalidade cordial, operada por homens cordiais de coração aberto para a promiscuidade, a ideia de instituição se dilui em personalismo. Imparcialidade vira favoritismo. Uma lubrificação anti-institucional. Sobra o palavrório bacharelesco que tenta fabricar legalidade e esconder conflito de interesses e jogos de forças.
Nesta semana soubemos que André Mendonça compareceu a jantar privado de homenagem antecipada à sua pessoa. Um elogio prematuro àquilo que ainda não fez no STF, mas a advocacia gostaria que fizesse. Homenagens antecipadas são acordos promissórios. Miram comportamento futuro, não realizações passadas. Organizam-se jantares, entregam-se comendas, publicam-se livros.
Também viemos a conhecer o grupo dos “pensadores da justiça” no WhatsApp. Alguns imaginaram John Rawls e Karl Marx, Lélia Gonzalez e Milton Santos, Von Mises e Hayek. Mas era um ponto de encontro republicano onde Augusto Aras, Sergio Moro, políticos e advogados trocam ideias e farpas. Lugar eficiente para aplainar extremos num coquetel magistocrático.
Ainda tivemos a notícia de que o juiz federal Eduardo Appio foi afastado, por medida cautelar, da 13ª Vara Federal de Curitiba pelo TRF-4. É suspeito de ter telefonado ao filho de desembargador federal,
um advogado sócio do escritório do casal Moro, intimidando-o. A decisão teria feito Appio “disparar mensagens” para altas autoridades do governo e “acionar também aliados de Lula na área jurídica”, em busca de apoio.
A decisão liminar teve grande repercussão e aguarda a produção de provas. Mas não mereceu maiores atenções o comportamento extravagante de Appio desde que assumiu o posto. Concedeu entrevistas, elogiou a maestria do STF, reiterou críticas genéricas à Lava Jato que a ele não cabe fazer.
No curto período, também tomou decisões extravagantes. Anulou processo contra Sérgio Cabral, sob fundamento da suspeição de Moro, apesar de não existir conversa na Vaza Jato envolvendo Cabral, e se insurgiu contra decisão contrária do TRF, que lhe é superior.
Intimou, de ofício, Tacla Duran para depoimento sobre tema objeto de investigação anterior arquivada. Marcou depoimento de Palocci, que anos depois resolveu alegar tortura.
Diante de críticas, a advocacia se apressou em publicar nota em sua defesa. Acusou parte da comunidade jurídica por permitir que o “ovo da serpente do arbítrio fosse chocado”, comemorou “finalmente um juiz comprometido com a Constituição”, que já seria “vítima de lawfare”, e afirmou “nunca mais o conluio” entre juiz e promotor.
A desinstitucionalização do país repercute na Justiça. Dispararou-se alarme estridente para “descriminalizar a política”, mas não se procura relegalizar a Justiça. Criticou-se a grotesca articulação entre juiz e promotor, simbolizada pela tabelinha Moro-Dallagnol. Mas não parecem enxergar problema nos cortejos diurnos e noturnos entre juiz e advogado.
Nada disso é apropriado. Não cabe a juiz incendiar a política, inflar polarização e receber elogios por isso. Nem “acionar” seus contatos. O país não vai se reconstruir com um Aras do PT na PGR, um Kassio do PT no STF, um amigo do PT na vara de Curitiba. Precisa de agentes independentes.
Pode-se dizer que a prática sempre existiu, mas talvez haja uma diferença: perdeu-se a consciência de qual a medida do apropriado, de correção, de pertinência do comportamento de atores jurídicos (a chamada “judicial propriety” em inglês”). Carreiras jurídicas normalizaram o ilícito ético. Isso é ótimo para alguns operadores do direito, não para o Estado de Direito.
A advocacia progressista por autodeclaração (a Appa) esteve em festa com Aras. Comemorou sua nomeação, cortejou sua atuação, lutou por sua recondução. Quando a colaboração de Aras com a violência bolsonarista se escancarou, e sua amizade ficou inconveniente, veio o silêncio. A Appa também estava em festa com Appio.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Quando o Brasil perdeu a ética na Justiça?
Quando inventaram as cortes brasileiras.
Nunca o Judiciário brasileiro entendeu seu papel.
23 anos depois de Cabral atracar a nau na Bahia, e na carta o Pero Vaz Caminha pedir emprego e sinecura pública para um parente ao rei português na cara dura, MAQUIAVEL profetizou:
“Chegará um tempo em que, um povo para combater a corrupção, talvez tenha que retroagir uns vinte ou trinta anos no Judiciário, pois é nele que se perpetua o mal.” Nicolau Maquiavel em 1523
André Mendigando Mendonça recebeu título cidadania honorária em Londrina:
“… Me chega a mensagem: Desista. Nós vamos cuidar da tua vida. Você não vai se preocupar com mais nada na sua vida toda. Basta você desistir. E eu tenho que dizer: Não teria coragem de olhar nos olhos dos meus filhos se eu desistisse. …” Ministro do STF André Mendonça na solenidade de outorga a ele do Título de Cidadão Honorário de Londrina, na Câmara Municipal de Londrina.
https://www.youtube.com/live/GiUn0Lg8ZFM?feature=share
Inicia no 2 h 25′ 39″
Quem será que pagaria tão alta soma para que um candidato desistisse do STF.
Ele ainda cita os 6 meses que esperou pela sabatina no Senado como uma provação divina.
“Você é confiável ou não?” Citando a música gospel que foi cantada lá.
Deve ser para quem o quis lá e não foi Deus!
Bem isso. Há uma década, o sistema judicial entrou em queda livre, ora tomando partido do mocinho-bandido, ora do bandido-mocinho. Não há inocentes nesse meio. Faltam independência, imparcialidade e, sobretudo, senso de justiça.