por Mário Montanha Teixeira Filho
Eis que chega o bolsonarista/lavajatista, inconformado com a cassação do mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol, e crava a sua indignação:
– E o Lula? Quando o Supremo impediu que ele fosse nomeado para a Casa Civil, em 2016, vocês reclamaram. Como é que agora comemoram a cassação de um parlamentar eleito com mais de trezentos mil votos? Isso é um absurdo, uma narrativa, uma ditadura! A esquerdalha é mesmo incoerente!
Nessa cantilena, o bolsonarista/lavajatista desconsidera que a comemoração anterior foi a dele. O desfazimento da nomeação de Lula facilitou o impeachment de Dilma Rousseff e abriu as portas da Presidência da República para Jair Bolsonaro e o seu governo de morte e violência. Tudo bem, então, pois o que valia era expulsar os vermelhos, puni-los por existir, eliminá-los definitivamente – um objetivo que nunca chegou a ser atingido porque a diversidade política faz parte da democracia, que ainda sobrevive. Assim, quando o “rigor da lei” atingiu um dos “seus”, algum tempo depois, o bolsonarista/lavajatista lamentou a interferência do Poder Judiciário na política. E não viu nada de incoerente nesse lamento.
Acontece que a proibição do acesso de Lula à Casa Civil, materializada num despacho liminar de Gilmar Mendes, do STF, não tem nada a ver com o infortúnio de Dallagnol, que, para garantir a sua candidatura à Câmara dos Deputados, praticou atos declarados ilegais por um colegiado do Tribunal Superior Eleitoral. Lula estava submetido a um esquema judiciário que o levaria à prisão e o impediria de concorrer à Presidência da República em 2018. A sua indicação como ministro de Dilma Rousseff o afastaria do poder de influência de acusadores e juízes que anunciavam previamente a sua condenação – o processo em que figurava como réu, portanto, era suspeito, e exigia correções técnicas para um julgamento válido. Não há dúvida quanto a isso. Mas não há dúvida, também, de que a nomeação era uma prerrogativa da então presidente, que enfrentava uma crise política enorme, para cuja solução o peso político do antigo líder operário contribuiria bastante.
Lula, que preenchia os requisitos para assumir o cargo, foi impedido por uma decisão baseada em argumentos carregados de subjetividade. O próprio autor do despacho proibitivo, Gilmar Mendes, colocou em dúvida o seu entendimento original sobre o caso, numa entrevista concedida ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em outubro de 2019. “Se o caso do Lula assumir a Casa Civil fosse hoje, eu teria muitas dúvidas sobre que decisão tomar”, disse. Havia razões para isso. Pouco tempo depois, em fevereiro de 2021, a força-tarefa da Lava Jato, que processou e condenou conforme as preferências ideológicas dos seus mandatários, deixou de existir, desmoralizada pela sucessão de aberrações jurídicas que anularam grande parte das sentenças que produziu – incluídas as que levaram ao encarceramento de Lula numa cela da Polícia Federal em Curitiba.
Já o afastamento de Dallagnol se inspirou na “lei da ficha limpa”, de 2010 (Lei Complementar nº 135), norma que traduz um tecnicismo conservador, aberto à intervenção excessiva do Poder Judiciário em questões da alçada dos órgãos políticos do Estado. Mas a legislação está em vigor, e o antigo procurador da República, que se apresentava como defensor dos fracos e oprimidos, fez de tudo para burlar as regras que não o interessavam. Seu currículo como membro do Ministério Público, repleto de irregularidades e atos suspeitos, não recomendava a candidatura impugnada. As manobras trapaceiras foram percebidas pelos juízes do TST, que aplicaram os dispositivos autorizadores da cassação. Nada mais.
Revoltado, o bolsonarista/lavajatista enxerga conspirações em tudo e em todos. E protesta. Que o faça, enrolado em panos verdes e amarelos que simbolizam uma fantasia, o anteparo do ódio que orienta seu mergulho atormentado na política. Os heróis da Lava Jato, uma dupla mequetrefe que confundiu cultura jurídica com breguice hollywoodiana, não morreram de overdose, mas caminham para o ostracismo. Dallagnol deu os primeiros passos. Sérgio Moro está na fila, mãos estendidas ao antigo parceiro. Todos eles se merecem.