6:51Garranchos

Aprendeu sozinha o ofício. Fazia roupas de boneca lá no meio do sertão nordestino. Depois foi costurar para madames no Rio de Janeiro, capital federal do tempo bão dos anos 40. Casou com o Zé. Ele também do mato. Ler, lia; escrever, dizia que era só com garranchos – nome de livro do conterrâneo Graciliano. Josefa virou Zefa, Zefinha. Cuidou do marido, a quem chamava de “filhinho”. Dos dois filhos, também. Eles se desviaram nos caminhos das grandes cidades. Mas tiveram teto, comida, estudo e os cuidados básicos de saúde. Mass quem presta atenção nisso quando na tentativa de descoberta da vida? Tinham colo não. Mas viam a mãe fazer escalda pés no pai toda vez que ele chegava do trabalho de operário. Viam o capricho na comida simples que ele levava na marmita. Os dois depois se livraram da morte pelo vício. Os pais voltaram para a cidade origem para cumprir a sina do pau-de-arara – a de morrer onde nasceram. O mais velho ficou no sul maravilha – e no caminho um dia se viu descobrindo, num consultório de psicóloga, que sempre apontava a “culpa” do tormento da alma na direção do pai – ele seco, fechado. Aí fez o que seria uma nova “descoberta” ao também apontar o dedo para a mãe, pois ela só cuidava do marido e também não afagava. Depois que chegou  à porta do inferno, mas não entrou, este filho conseguiu enxergar o quanto os dois tinham sido importantes – e também que o pai tinha passado uma vida em depressão, mas segurando o tranco. Escreveu uma carta aos dois, agradecendo. Um dia foi visitá-los e, no primeiro encontro, contou para ela a história de tê-la culpado. A resposta mostrou a dimensão da sabedoria da vida daquela baixinha de rosto triste: “Mas eu não aprendi de outro jeito!” Ao morrer, a carta que ela guardava como tudo o que lhe tocava o coração, como a vela da primeira comunhão dos filhos, foi resgatada. Escrita à máquina, numa lauda de imprensa, tinha sobre as letras os garranchos, a caneta esferográfica, da Dona Zefa. Eles eternizaram o que nunca falou em vida: “Beto, te amo meu filho”.

Uma ideia sobre “Garranchos

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