15:14O layout

por Carlos Castelo

Conheceram-se numa agência de publicidade na Vila Olímpia. Justina era filha de cliente – um importador de frutas exóticas. Ferruccio era diretor de arte. Naquele momento, responsável por criar um sofisticado site para ajudar nas vendas dos produtos da empresa do pai dela.

Um dos sócios da agência, ao saber que Justina sonhava se tornar designer, a colocou junto a Ferruccio. Poderia ajudá-lo a encontrar imagens, referências tiradas da internet, e aprender o ofício na prática.

Após duas semanas de trabalho, a plataforma ficou pronta e foi aprovada pelo marketing. Naquele dia, quando Justina deixava a mesa de trabalho, Ferruccio a chamou:

– Falamos de frutas por 15 dias, que tal almoçarmos…numa churrascaria? – sugeriu.

Foram a um grill nos Jardins. Nervosa, Justina só falou de si. Ferruccio a ouvia com ar distante. Foi assim durante quase todo o tempo. Só no final, resolveu abrir a boca.

– Seu sorriso é lindo – definiu, a seco.

Justina corou. Não imaginava que ele prestasse atenção nela. Era um sujeito ocupado, envolvido com marcas, briefingscalls intermináveis.

Marcaram um encontro no apartamento dele. Tomariam um drinque e, depois, iriam a um restaurante japonês: um pequeno segredo de Ferruccio incrustado numa rua escura da Liberdade.

Justina foi pontual, conhecia o lado rígido de Ferruccio. Já o tinha visto discutir com Clélia, do Atendimento, e com Delmiro, do Planejamento, por detalhes insignificantes. Foram entreveros contidos, e até elegantes (tudo em Ferruccio era elegante), contudo, a intensidade da repreensão foi desmedida. Chegou a assustar Justina. Mas, no fim, ela achava tudo divertido.

No restaurante entornou meia garrafa de saquê. Saiu cambaleando e entrou no SUV, às gargalhadas. Ferruccio a abraçou demoradamente. Ela não deixou por menos: enfiou-lhe a língua na boca.

Quando retornavam, a cada semáforo no vermelho, se beijavam. No elevador, Justina fantasiou o que o chefe pediria para ela fazer na cama.

Passaram pelo closet – as roupas dele organizadas impecavelmente do claro para o escuro – e entraram no quarto.

Justina se deitou. Ferruccio voltou com um copo baixo de uísque e gelo. Bebeu um gole ao mesmo tempo em que, subindo na ponta da cama, ajustava um dos spots do teto na direção de Justina. Ela engoliu em seco, o coração palpitava como uma bomba relógio.

O diretor de arte ordenou:

– Tira a roupa.

Ela obedeceu. A imaginação corria solta. O homem a amarraria? Colocaria cravos em suas mãos e martelaria? Chamaria mais alguém para dividir a cama? Ferruccio prosseguia com as ordens:

– Vira um pouco mais para a direita. Não, não. Vamos mudar. Gira só o rosto. Deixa o corpo no lugar onde está. Ok!.

Justina seguia as instruções, como se fosse uma referência de layout. Ele acertou a luz, de modo que recaísse sobre as costas dela.

– Coloca o bumbum mais pra cá, isso, lindo…

O preâmbulo já durava mais de meia hora quando Justina caiu num sono profundo. Só foi despertar na manhã seguinte, bem cedo, a cabeça rodando. Ferruccio dormitava na chaise longue em frente ao leito. Segurava o copo de uísque aguado sobre as pernas.

Ela saiu na ponta dos pés. Foi a última vez que viu Ferruccio.

Na semana seguinte, passou a trabalhar como assistente do pai na empresa de importação de frutas exóticas.

(Publicado no Estadão)

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