Naquele tempo eu conseguia subir o morro. Favela. Foi surpresa porque disseram que ia para o Rio de Janeiro. Também não era. Niterói é do outro lado da baía. Alguns degraus. Pedra bruta. Corredor apertado entre barracos de madeira – e aquele rio de água escura escorrendo sem parar lá de cima. Aprendi a controlar o olfato naquele dia. Também que as criação são a alma do lugar, que hoje chamam de comunidade. Elas estavam nos batentes da portas, nas janelas, subindo, descendo as ladeiras, algumas soltando pipas coloridas, com brilho nos olhos, anjos naquele inferno que eu não conhecia. Entrei na casa. Um galeguinho abraçado pela família negra. Não ofereceram nada para comer. Era apenas uma visita da mocinha, parente deles, que me levou e era vizinha numa rua de terra a 400 quilômetros dali. Ela morava num barraco de fundos. Eu, num quarto e cozinha. Pensei que tinha nascido rico.