por Ruy Castro
Ele prova que o terceiro tempo na vida de um craque pode fazer jus à que levou a cada 90 minutos
Para o cartório, Arthur Antunes Coimbra. Para os familiares, Arthurzico. Para o mundo, Zico. Ele completa 70 anos nesta sexta-feira (3), tão amado quanto no tempo em que, duas ou três vezes por semana, fazia a alegria de milhões. Talvez mais porque Zico, agora, não pertence só a nós, Flamengos.
Um dia, em 1971, cheguei ao Maracanã a tempo de pegar a preliminar de juniores —juvenis, como se chamavam. Quem era aquele garroto que atormentava os beques do Vasco? Zico, 18 anos. A partir daí, chegar para a preliminar ficou obrigatório. Em 1974, ele subiu para o time principal, num ataque que já tinha Rogério, Doval e Paulo Cezar. O resto, pelos 15 anos seguintes, menos dois na Itália, foi bola no barbante.
Somente pelo Flamengo, 509 gols em 732 partidas; 13 grandes títulos, entre os quais um Mundial de Clubes, uma Libertadores e quatro Brasileiros. No mágico ano de 1979, 89 gols. Maior artilheiro do Maracanã, com 334 gols em 435 partidas. Recordista mundial em gols de falta: 101. E, pela seleção, 66 gols em 88 partidas. Não, Zico não ganhou uma Copa do Mundo por seu país. Nem ele nem Zizinho, Di Stéfano, Puskàs, Yashin e Cruyff.
Muitos livros contam a história de Zico em campo. Um dia talvez tenhamos um sobre o homem Zico e como ele nunca deixou que a glória disputasse espaço com sua família, seu caráter e sua dignidade. Mesmo ainda na ativa, já conquistara o respeito e a admiração dos torcedores dos times que derrotava. Encerrado o futebol, isso se cristalizou em devoção a cada passo que dá na rua, na forma de abraços, apertos de mão e palavras de gratidão. Todos são gratos a Zico por ele ser quem é.
Nesses tempos de horror, em que o futebol às vezes se transfere para o noticiário policial e expõe o repulsivo lado B de certos jogadores, Zico nos prova que o terceiro tempo na vida de um craque pode fazer jus à que ele levou a cada 90 minutos.
*Publicado na Folha de S.Paulo