6:32O artigo 142 é inocente

por Elio Gaspari

Quem arma golpe militar são as vivandeiras

Ministros dignitários do governo querem mudar o texto do artigo 142 da Constituição para impedir novas aventuras golpistas. A intenção pode ser boa, o resultado será nulo e a iniciativa acabará no ridículo.

O tão falado 142 diz o seguinte:

Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Seu autor intelectual foi o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de março de 1985 a março de 1990. Criou-se a fantasia segundo a qual esse texto abre o caminho para golpes militares, a partir de uma malversação de mobilizações militares pelo instrumento da Garantia da Lei e da Ordem.

Durante o governo de Michel Temer, por pouco não se chegou a uma utilização homófoba da GLO, permitindo-se a expedição de mandados coletivos de busca e apreensão para os moradores de uma rua, comunidade ou bairro. Ficou no talvez.

Pode-se dar ao artigo 142 qualquer redação e ainda assim o regime democrático poderá ser ameaçado por golpes militares, mas jamais haverá golpe sem a participação e o estímulo das vivandeiras civis.

Se não houve golpe no ocaso do bolsonarismo, foi porque eram irrelevantes as vivandeiras e prevaleceu na cúpula militar o sentimento legalista. É bom lembrar que o ex-ministro Anderson Torres, em cuja casa havia um projeto maluco de golpe, é um paisano. O regime mostrou-se blindado pela firmeza das posições do Judiciário e do Congresso.

A discussão do texto do artigo 142 desloca o eixo da questão para o mundo da fantasia. Anderson Torres está preso, e presas estão centenas de pessoas que vandalizaram o Congresso, o Planalto e o Supremo Tribunal.

Os denunciados são 912. O ministro Alexandre de Moraes conduz a investigação do golpismo de 8 de janeiro. Nas mãos desse magistrado está a responsabilização dos culpados, civis e militares.

Nenhum dos 912 denunciados ou daqueles que se meteram com o 8 de janeiro queria garantir os Poderes constitucionais. Pelo contrário.

É de um militar, o marechal Castello Branco, a melhor qualificação das vivandeiras: “Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar.”

No ano do centenário da morte de Rui Barbosa, um campeão de campanhas civilistas, fica a lembrança de que a ação de vivandeiras, anterior a 1930, não se resume aos trogloditas dos vandalismos do 8 de janeiro.

No dia 9 de novembro de 1889, Rui bolia com os granadeiros, insinuando que o governo queria diluir a força do Exército “que ir-se-á escoando, batalhão a batalhão, até desaparecer da capital do império o último soldado.”

Na manhã do dia 15 deu-se a extravagância e à tarde ele foi nomeado ministro da Fazenda.

*Publicado na Folha de S.Paulo

 

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