por Fernando Muniz
“Um camundongo se imolou? Em plena luz do dia, na praça central? Que loucura”! A notícia se espalha, apesar da censura cerrada que amordaça os jornais, rádios e TV´s. Fotografias e vídeos são compartilhados aos milhões, para desespero dos porcos do Departamento de Informações, muito desfalcado desde o expurgo das hienas e seus informantes.
O ato extremo desperta a Nação do seu torpor; por que ser roubado pelos gatos, fascinados em confiscar tudo o que brilhe ou reluza? Por que se submeter à repressão dos lobos, que, passados tantos anos desde a extinção das hienas, ainda insistem em levar embora “suspeitos” de atentar contra a Nação? Por que aceitar os caprichos de Sassafrás e sua corte, cada vez mais extensa, a demandar banquetes, festejos e divertimentos enquanto a população sofre para chegar ao final do mês?
Protestos explodem por todo o território nacional; quebradeiras, saques, incêndios. Marchas. Bandeiras queimadas, delegacias e quartéis borrados com tinta vermelha. Pichações de “Fora Sassafrás” começam a aparecer. Mortes em confrontos não desestimulam os protestantes, sendo encaradas como martírio e alimentam ainda mais os tumultos.
No começo Sassafrás nem presta atenção, mais preocupado em produzir uma prole. Cercado de astrólogos e místicos, dedica-se a copular com o seu harém, noite após noite, orientado pelos astros e o fluxo das marés, por ervas milagreiras e rituais de religiões já extintas. Para desespero dos cardeais da Nova Igreja que, chocados com as contínuas ofensas à religião oficial que Ele próprio ajudara a fundar, passam a apoiar os protestos, com discrição.
Irritado, Sassafrás ordena execuções a esmo, confiscos e exílios sumários. E chama o comandante dos lobos para consultas. Procedimento de praxe, como em outros momentos de insatisfação social.
Mas desta vez os lobos não estão dispostos ao sacrifício; de modo sorrateiro debandaram rumo ao Norte e suas densas florestas, armados até os dentes. As Forças de Segurança, forçadas a substituí-los, provam-se incompetentes e lerdas, com seus comandantes paralisados de terror ante a perspectiva de serem executados pelo punhal implacável do Líder Máximo, ante o aumento dos tumultos, agora sem controle.
Os corredores do Palácio são tomados por uma cacofonia de miados, latidos, guinchos e lamentos, cada vez mais alta, a demandar uma solução que salve a todos; porém Sassafrás se mostra insensível aos fatos e de que somente Ele poderia trazer uma solução definitiva. Como abdicar. Mas essa alternativa é impensável; Ele não quer saber de compromissos, afinal, caso a situação seja favorável, isso é obra d´Ele, senão, a culpa é alheia.
Greves estouram por todos os cantos; estudantes universitários convocam passeatas, engrossadas por donas de casa e aposentados. De trapos no pescoço, em homenagem ao camundongo que se imolara em praça pública, mães e filhos, unidos pelos protestos, desafiam os policiais e trocam os lares e salas de aula pelas ruas. O comércio fecha as portas, inclusive os grandes bazares, que costumam funcionar como o termômetro dos humores da Nação. “Fora Sassafrás” se torna a ordem do dia.
Países vizinhos, cansados de sofrer com as ondas de exilados a cada expurgo na Nação, com as suspensões no fornecimento de minérios raros, de grãos e de bens essenciais por não se submeterem aos caprichos de Sassafrás, formam uma grande Coalizão, com o objetivo de derrubá-lo.
E a guerra começa.
Exércitos são mobilizados e fronteiras, bloqueadas. Um ultimato é lançado por aviões de reconhecimento, em panfletos que cobrem a Nação.
“Rendam-se ou invadiremos”.
A Morte, que, desde o surgimento de Sassafrás, acompanha os eventos do mundo dos vivos com inquietação, aplaude.
Realizada.