de Fernando Muniz
Um camundongo tem seus produtos confiscados, por culpa dele mesmo segundo os gatos – que assumiram fiscalização de rendas após o expurgo das hienas -, porque deixou de preencher formulários que dependem de contadores e advogados para serem decifrados.
Olha para o papel da ordem de confisco, sem compreender direito o texto castiço lançado pelos fiscais, que nutrem um prazer especial ao realizar a diligência. Tarefa fácil e que traz retorno imediato – e aumenta os índices de produtividade dos fiscais.
Mas o camundongo não se conforma. Não consegue compreender por que deve ser punido, apesar de ter dado tudo à Nação, desde o nascimento, ajudando a sustentar o regime que, no final, tira tudo dele e o reduz à miséria. Reclama com os fiscais e o chefe da operação, impaciente, rasga rosto do infeliz com a pata direita. O camundongo solta um grito de susto e cai no chão; o gato põe a pata, com as garras ainda sujas de sangue, rente aos olhos dele. “Vá embora antes que eu acabe com a sua vida e lance no relatório que você resistiu à ordem de confisco”.
Ali, sozinho, parado, mais uma vez sem nada devido à gatunagem, não podendo dar de comer à esposa e filhos, esfrega o rosto e tenta fazer com que o sangue pare de escorrer.
Voltar para casa? E dizer o quê? Olhar para a família e dizer que, mais uma vez, havia falhado? Ver os filhos choramingar de fome? Olha para a multidão ao seu redor, incomodada com aquele ser minúsculo, ali, sentado no meio da praça, atrapalhando a circulação. O sol, forte, deixa pouca sombra à disposição de quem quiser se proteger do calor. E os policiais, desconfiados de tudo e de todos, por certo não o deixarão ficar sob alguma das árvores, no gramado que é reservado a famílias de bem, que aproveitam o dia para descansar e não alguém como ele, estropiado, sangrando, sem se dar ao respeito ao insistir em sofrer logo ali, à vista de todos.
Toma uma decisão. Extrema, como seus antepassados fizeram tantas vezes, acuados no subsolo daquela Nação que nunca, de fato, os acolhera, que nunca os tratara como iguais, que jamais lhes concedeu a chance de participar da vida coletiva.
Ateia fogo às vestes e, de imediato, as labaredas tomam conta dos pelos, do corpo, em plena praça pública. “Aqui está um cidadão que vendia trapos para viver. E que não vai viver mais”!
O fogo e o cheiro de carniça queimada horroriza os transeuntes, de usual preocupados apenas com suas vidas.
Os policiais, chamados à cena, não sabem o que fazer; o fogo consumira o camundongo, já morto quando chegaram.
Coçam a cabeça, consternados. Chamam uma ambulância? Os bombeiros?
O que lançar no relatório?