por José Augutso Mariante*
Jornal dribla limites éticos para publicar a notícia que ninguém quer ler
Pelé é rei. Quem pensou apenas em futebol, pense de novo.
Um sinal evidente de sua majestade se manifestou no último fim de semana, quando a Folha publicou que “Pelé não responde mais à quimioterapia e está em cuidados paliativos”. O título, com repercussão internacional, foi publicado na manhã do sábado (3). Aos 82 anos, o Atleta do Século teve o tratamento quimioterápico suspenso e segue com medidas de conforto para aliviar a dor e a falta de ar, dizia o texto em sua abertura. Dias antes, a ESPN havia relatado a internação no Hospital Albert Einstein e já descrevia uma situação muito delicada.
Pelé é uma pessoa pública, talvez a mais pública que o país já teve, reconhecida internacionalmente, que se transformou em marca global bem antes da globalização e das redes sociais. Seu estado de saúde é uma informação de interesse público, portanto. Quem concordou com a última frase, pensou como a Folha. Pelé, porém, também é Edson, pessoa com direito à privacidade.
Não é um presidente, cuja condição física e intelectual tem potencial para afetar toda a sociedade. É pacífico o dever do jornalismo de noticiar qualquer vírgula relacionada à saúde de um mandatário. Pelé certamente é mais importante do que muitos políticos, mas sua saúde, ainda que preocupação afetiva e legítima, não é problema de Estado.
É razoável acreditar que muitos leitores não viram problema na publicação da notícia, mas há uma discussão jornalística interessante na cobertura. A leitura do texto mostra que a informação foi apurada, sem confirmação oficial de médicos ou do hospital. Mérito da autora da reportagem, a colega Cláudia Collucci, uma das mais reconhecidas repórteres de saúde do Brasil.
Ilustração de Carvall
Um leitor indagou, no entanto, se a Folha havia consultado o estafe e a família de Pelé sobre a publicação. Não consultou. O texto reproduz uma manifestação em rede social da filha Kely Nascimento em reação à reportagem anterior da ESPN: “a mídia está surtando”, “não tem surpresa nem emergência”. É claro que o jornal não pede permissão para noticiar o que quer que seja, mas há pertinência na dúvida do leitor desde que se admita que uma figura pública tem direito a alguma reserva. Assessores e familiares de Pelé são historicamente arredios à imprensa, mas a questão aqui é saber se eles deveriam ter sido consultados, não para confirmar a informação, já apurada, mas para dar-lhes a oportunidade de comentar sobre algo que afeta sua intimidade.
Questão de evidente contorno ético e natureza dupla. Além do aspecto jornalístico, há o fato de envolver dados de um prontuário médico, que é ou deveria ser um documento sigiloso. Mais uma vez ocorre o choque entre o interesse público e o individual do personagem. No caso de Pelé, a Folha só observou a primeira parte.
“A questão ética foi prontamente reconhecida pela repórter, pelo editor e pela Secretaria de Redação. Após debate, decidiu-se pela publicação da notícia sobre a mudança de tratamento por seu valor jornalístico inegável. Trata-se de figura pública de relevância mundial cuja condição de saúde é amplamente conhecida e acompanhada”, afirmou a Secretaria de Redação após questionamento do ombudsman.
Sobre o fato de Pelé ser uma figura pública, com direito a uma vida privada, a SR declarou “que se trata de novo capítulo de condição conhecida, sobre o qual nem o atleta nem a família mantém sigilo”. Sobre consultar o estafe ou a família, o jornal disse que “as informações estavam completas e devidamente checadas”.
A Folha não falou com a família, mas o Fantástico, sim. Em entrevista exibida na noite seguinte à publicação da reportagem do jornal, Kely e a irmã Flávia negaram que o pai estivesse em tratamento paliativo, o que deu o tom a diversos veículos. Todos se preocupando em atualizar o noticiário sobre Pelé, mas poucos reverberando a história trazida pela Folha. O mais curioso é que, ao registrar o conteúdo da entrevista na Globo, o jornal também não mencionou a matéria que havia publicado na véspera, aderindo a uma espécie de silêncio obsequioso da mídia sobre o assunto.
Um acerto no episódio, ainda que tardio, foi a análise também da repórter, publicada no domingo (4), sobre cuidados paliativos. Não significam morte iminente nem desistência do paciente, sendo que há registro na literatura médica de cuidados com resultado de sobrevida superior ao dos tratamentos convencionais. Não custava ter sido editada junto com a reportagem sobre Pelé.
O esporte produz momentos incríveis e também os cruéis. É tocante ver Thiago Silva admitindo que não terá nova chance de levantar a taça. Mais ainda ver Cristiano Ronaldo correndo ao vestiário para chorar. É infinitamente pior perceber Pelé fora de campo. O tempo é implacável, mas parece fazer mais falta aos que merecem maior deferência. Pelé é rei.
*Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman
Pérai… Estão esperando ética da Foice de SP? Aquela que apoia “a auma maizonesta das galáquiçias”?
Resumo: faltou ética.
Hipoteticamente falando, se fosse sobre lula por exemplo, já estaria presa?
Talvez sim, talvez não, mas já teria sido posta no congelador e execrada pela polícia moral petista.
E a propósito: que tal publicar sobre o que Elon Musk e Twitter?
Parabéns ao ombudsman da Folha . Antes tarde do que nunca .
Parece que esse povo não leu o que a Cláudia Collucci escreveu:
“Cuidados paliativos
Cuidados paliativos não significam uma morte iminente. É comum que muitos pacientes se estabilizem de quadros agudos e até tenham alta hospitalar.
Há artigos científicos mostrando que, para certas condições, cuidados paliativos podem resultar em sobrevida ainda maior do que tratamentos quimioterápicos ou outras intervenções invasivas.
Por isso, a OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza que os cuidados paliativos deveriam estar acessíveis a todos os pacientes que tenham doenças graves e incuráveis e envolvendo equipes multidisciplinares, que cuidem não apenas dos desconfortos físicos, mas também dos emocionais.”
Traduzindo: com a grana do rei ele pode sobreviver muito mais tempo que muitos patriotarios acampados nas portas dos quartéis!