6:22O pombo da paz

por Renato Terra

O efeito Richarlison no Brasil de 2022

O ano de 2022 foi carrancudo. Ameaça de golpe, chantagem, armas apontadas, mentiras deslavadas, porte e posse de pen drives. Depois das eleições, os patriotas invadiram as estradas e qualquer sinal de alegria era interpretado como traição.

O ano de 2022 foi exaustivo. O brasileiro comum trabalhou dobrado e ganhou a metade. Quando resolveu tirar umas horas de folga na praia, alguém ligava uma caixa de som no último volume. Perdemos até o direito de ouvir o mar.

O ano de 2022 foi sufocante. A gente tinha esquecido como era esse negócio um tanto saudosista de passar o dia sem o corpo dolorido pela angústia.

Mas, quando ninguém mais esperava ser feliz, eis que a primeira semana de dezembro nos presenteia com uma inacreditável enxurrada de bons ventos. Passamos a acreditar que é possível vivenciar aquele primeiro tempo contra a Coreia do Sul por mais de 45 minutos.

Copa do Mundo em dezembro, com seus jogos diários, deu uma passagem de ida para nosso superego se divertir na Farofa da Gkay.

A camisa da seleção brasileira deixou de ser somente o avatar do patriota ressentido e voltou a ter o modo alegria e categoria desbloqueado.

Neymar marcou seu primeiro gol e, quando alguns esperavam uma prometida homenagem a Bolsonaro, o jogador fez uma careta simulando um palhaço que poderia ser o Bozo.

O silêncio de Bolsonaro soa como um grito de gol e sua inexistência em exercício é, sem dúvida, o melhor momento de seu governo.

O hiato entre um presidente fantasma e outro que ainda não começou a governar abre uma fenda no espaço-tempo para um suspiro civilizatório.

São várias notícias boas que nos tiram temporariamente do transe polarizante. Mas talvez o símbolo que melhor represente os bons ventos seja Richarlison.

Contra a Sérvia, seu voleio vitruviano apresentou um ideal de beleza e harmonia de proporções apolíneas. Como um mímico, dançou com a bola na testa e nos redimiu de novo contra a Coreia do Sul. Dentro de campo, Richarlison nos redimiu da mediocridade estética, artística e criativa em que nos afundamos ao longo de 2022.

A coreografia do pombo uniu o Brasil pelo sorriso. Fora de campo, suas declarações mostraram que Richarlison tem um olhar muito além do seu umbigo. Temos, portanto, um ídolo completo. Estão deixando a gente sonhar com o dia que voltaremos a ouvir o mar.

*Publicado na Folha de S. Paulo

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