10:55Finitude

de Fernando Muniz 

Os campos de trabalho, com suas hordas de trabalhadores a desbravar os recursos naturais da Nação, tornam Sassafrás o soberano mais abastado de todos os tempos. As riquezas acumuladas enchem os cofres do Palácio, como nunca. Cidades são construídas e pântanos, drenados; estradas, ferrovias e portos interligam todos os pontos da Nação. O Exército é rearmado e as Forças de Segurança mantém a paz e a ordem. Escolas são criadas e o ensino, monitorado pessoalmente por Sassafrás e as hienas do Departamento de Informações, transforma camponeses e antigos animais de criação em engenheiros, médicos e burocratas a serviço da Nação.

Porcas, cadelas, e mulheres são escolhidas entre mães, esposas e filhas de altos militares e burocratas para servir Sassafrás em seu harém. A prova máxima de abnegação e lealdade daqueles que se beneficiam do Despertar é entregá-las ao falo do líder máximo como recompensa, exatamente, por ele ser o líder máximo.

Uma por vez, em duplas ou trios, misturadas entre espécies, todas as opções agradam a Sassafrás, que não se cansa de testar novas formas de se se valer das suas prerrogativas. E conseguir descendentes.

Médicos fazem experiências para tornar o harém fértil e, Sassafrás, pai. Sem sucesso, o que O enfurece e aumenta a pilha de corpos nos fundos do Palácio.

Até mesmo lobas são incorporadas ao harém, com o propósito de aumentar as chances de procriação. Desde os expurgos dos seus machos tiveram as presas cerradas e garras lixadas, tornando-se indolentes e submissas, o que as torna irresistíveis a Sassafrás. Sem protetores ou a quem retornar, entregam-se a Ele livres de amor-próprio ou de qualquer freio ou vergonha.

Muitas das escolhidas não resistem sejam às experiências médicas, sejam às vontades de Sassafrás. Seus corpos e carcaças são incinerados, cada vez em maior número, para desespero das hienas, cada vez mais impacientes com as restrições alimentares impostas a elas.

Mais médicos, mais fêmeas para o harém, em um moto-contínuo que não produz frutos, que condena Sassafrás a não procriar, a fenecer, ao fim.

Mas Ele não cede. Eternidade é uma palavra que o fascina; por si ou por descendentes, Sassafrás quer o além. Logo cedo as hienas do Ministério da Saúde são chamadas a apresentar os resultados de suas experiências com fertilização. Enfastiadas com o chamado, produzem relatórios evasivos e inconclusivos, apenas para cumprir com o que, acreditam, seja mais um arroubo do líder máximo.

Mas Sassafrás é, afinal, Sassafrás. Assim como ocorrera com os lobos e, de tempos em tempos, com porcos e cães, Ele busca na cinta o seu punhal, há tanto adormecido e as degola, uma a uma, sob uivos de desespero – e sorrisos de satisfação dos cães de guarda. Ordena que as carcaças, juntamente com os relatórios inúteis, sejam enviados ao Departamento de Informações. Para arquivo.

Cansado dos exercícios daquela manhã sem sol, Sassafrás retorna ao que de fato Lhe interessa. Nas câmaras reais, Suas escolhidas se deitam, com olhares vazios.

À espera do sacrifício.

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