de Mário Montanha Teixeira Filho
Os poemas de Versos velhos são poemas datados. Não há como apagar isso. Eles repousavam em dois cadernos cujas páginas o avanço apressado dos anos tornou amarelas e frágeis, e foram resgatados por circunstâncias da vida, da minha vida. A sua revelação, agora, parece ignorar o conselho de Mário Quintana, que advertiu que um poema não deve ser datado, porque “um poema não pertence ao tempo”.
Essa constatação, por verdadeira que seja, não basta para produzir certezas. Se o melhor lugar para esconder uma folha é um bosque, como disse certa vez Jorge Luis Borges, os versos velhos do meu pequeno livro tomaram caminho inverso: abandonaram a solidão das matas fechadas – as gavetas indevassáveis da minha juventude – para formar um corpo único, enfim exibido. Uma exibição que talvez confirme, na sua essência, que os versos não pertencem ao tempo, mesmo. Resta compreender por que eles existem.
Eis a busca, a que me leva a pensamentos que se acumulam e fazem recordar uma canção do poeta e trovador cubano Silvio Rodríguez, do início deste século 21. A canção, que se chama “Cita con ángeles”, é um manifesto político, um sonho romântico, a denúncia implacável de injustiças seculares.
“Desde tempos remotos / voam anjos guardiões”, começa o bardo, para em seguida fazer a síntese de uma sucessão de tragédias históricas: a fogueira da inquisição que matou Giordano Bruno, a execução de Frederico García Lorca pelo fascismo espanhol, as cinzas delirantes de Hiroshima, a bala que assassinou Martin Luther King, o corpo sem vida de John Lennon caído na entrada do edifício Dakota, o ódio que produziu o 11 de setembro – não apenas o das torres monumentais destruídas, mas o que eliminou Salvador Allende, levando junto a esperança chilena na década de 70 – e assim por diante.
Após o relato desses fatos tristes, segue a indagação do poeta: por que os nossos anjos nunca chegam a nos salvar? E é aqui que a dimensão do amor se coloca de modo absoluto. O amor, muito mais do que a ideia limitadora de proteção e do cuidado oferecidos pelos anjos, pertence a pessoas que não operam milagres, mas que estão conosco e nos acolhem e nos acariciam sempre. O amor de urgência, de insurgência, de divergência, de corpo e eternidade.
São pensamentos que me vêm sob a inspiração de algo que eu tenho recebido na quadra da maturidade, preparatória da velhice: o amor em estado puro, impulsionador de muitas coisas inimagináveis e novas, entre as quais este livro. Pois eu digo que este livro existe por causa do amor. Amor que é tudo, e cuja dimensão de totalidade me custa expressar. Amor que retribuo a meu modo, às vezes silencioso, mas sempre enorme, sincero e intenso.
Sigo, então – ou procuro seguir –, o conselho posto na letra de Silvio: ser um pouco mais cuidadoso e menos egoísta. Para que o amor maior, o que determina, o que ocupa todos os espaços, o que sangra de paixão, o que importa, para que esse grande e definitivo amor possa ser resguardado das dores do mundo. Um desafio que não é pequeno, e diz do que eu sinto, do meu desejo e da minha utopia. A esse amor, o meu amor. É o que posso dar além da minha gratidão.
* Texto introdutório do lançamento do meu livro ‘Versos velhos’, em dezembro de 2021.